Este é o episódio final da 1ª temporada do VA surfar GINA… Mas calma, que a 2ª temporada estreia em novembro… Piscou, tá logo ali.

Para fechar com chave de ouro, tenho a companhia da surfista Marina Werneck. Nessa conversa, ela me ajuda a arrematar a sequência de episódios de responsa que rolaram ao longo dos primeiros meses desse podcast. Por aqui passaram mulheres tão incríveis que me fizeram sentir honrada pelo privilégio da troca de ideias. Honrada e orgulhosa, porque são mulheres que fazem do nosso surf, um surf realmente diferente. Aquele que estamos construindo diariamente dentro do mar e de nós mesmas. Que integra sentidos, conecta, transforma mundos… dos outros, mas principalmente o nosso particular. Por isso mesmo a Marina foi a mulher escolhida para fechar essa temporada. 

A Marina

Uma surfista que não se contenta em conseguir as coisas só para si, mas que quer ver as outras conseguirem também. Que não se contenta com uma experiência só de surf ou um só tipo de prancha. Uma surfista que se movimenta dentro e fora d´água para continuar vivendo do que sempre quis. Que se adapta bem às condições, e que costuma ver sempre um pouco adiante.

As experiências individuais da Marina costuram de uma forma tão interessante muitas das realidades em que o surf se insere, que essa conversa começa falando do lado empreendedor que ela precisou desenvolver para continuar vivendo do surf, passa pela WSL e pelos esforços para a retomada das competições mundiais femininas no Brasil, pela diversão que é explorar diferentes tipos de pranchas, e chega à redescoberta do prazer das pequenas conquistas ao  surfar sem pressão pela performance.

No final, ela ainda conta que vive uma fase de identificação com as mulheres que começam a surfar mais tarde, e dá dicas valiosas que trouxe à consciência agora, enquanto reconstrói os caminhos para voltar ao surf depois das transformações da gravidez. Afinal, antes de surfistas, profissionais ou iniciantes, todas nós somos mulheres. E isso muda tudo… ainda mais quando estamos juntas. 

Surf é negócio

Marina estava no ritmo forte de competições quando viu a cena do surf feminino competitivo desaparecer no Brasil. Olhou ao redor e viu muitos dos grandes talentos da sua geração abandonando o sonho de viver do surf. Investigou o que tinha dentro de si que pudesse ser um novo caminho, mas não encontrou nada além do surf. E se o “emprego” tinha desaparecido com o fim dos campeonatos, resolveu inventar um caminho.

Marina se profissionalizou aos 15 anos e, desde cedo, em função dessa necessidade de gerenciar uma carreira, sentia falta de um suporte profissional, que fosse além da orientação da família. Gestão de carreira, planejamento, marketing pessoal. Foi aprendendo na marra por pura necessidade. Quanto mais tomava na cabeça, mais assimilava essa visão, até chegar ao momento crucial de se reinventar para manter a carreira ativa. “Ao longo do tempo foi assim, na vivência mesmo. E faz total diferença porque a carreira de surfista não é só entrar na água e surfar. Por um lado, gostaria que fosse. Mas é realmente importante trabalhar a  imagem, dando opinião e sendo mais independente para mostrar o nosso trabalho. Claro que a gente precisa de uma marca, mas ter essa proatividade faz as coisas começarem a fluir mais”, ensina.

O caminho

Quando foi campeã brasileira e conseguiu seu primeiro grande patrocínio, percebeu uma nova realidade. As marcas gringas que estão no Brasil não têm o costume de trabalhar a imagem dos atletas do país como acontece com os atletas lá fora. “E isso faz falta porque é ali que a gente começa a se desenvolver para o lado do marketing. Tem um setor de marketing dentro da empresa pra trabalhar a imagem dos atletas e nos tornar ídolos de uma nova geração que está vindo, que se inspira naquela marca, naquele time. O surf tem muito esse cenário inspirador. E o surf feminino principalmente tinha esse deficit. Até hoje sinto muito isso”, aponta.

Colocar o atleta gringo nas propagandas ou nas etiquetas das roupas vendidas aqui é um costume fixado na indústria surfwear que não contribui nem para o desenvolvimento do atleta e nem da marca no país. Quando percebeu que isso não viria por iniciativa de patrocinador, começou a entender a importância de buscar um entorno favorável, com profissionais desse mercado em uma espécie de interdependência entre as pontas. Assim, foi atrás de parcerias. Psicólogo esportivo, marketing, filmmaker, fotógrafo, fotógrafa. Enfim, criar um entorno capaz de alavancar todo o pacote da carreira, e não só o resultado da competição.

Projetos e plano B

Aí entrou o freesurf, até então raro mesmo fora do Brasil, como plano B. Rob Machado sempre foi uma grande inspiração para ela pelo estilo de surf. Quando o viu deixando o tour para seguir outro caminho, pensou: “Vou ser a Rob Machado feminina”. 

Foi tendo ele como referência, que buscou parceria com profissionais, agência de publicidade e a NN Consultoria, que faz gestão da sua carreira até hoje. Veio então a ideia de criar uma marca própria, fazer conteúdo para as mídias digitais que estavam ganhando mais força e direcionar para oportunidades que vinham surgindo em programas de TV. Dali para o canal no YouTube e aumento de sua influência na cena de mídias alternativas, foi um pulo. Veio então o patrocínio da Hurley e do Guaraná Antarctica.

Mas não rolava caminhar sozinha. E quando percebeu que tinha contatos legais e mais força de influência, resolveu fincar a bandeira pela volta dos campeonatos femininos como forma de fomentar a visibilidade das mulheres surfistas.

 

Campeonato digital

Em uma época em que campeonatos digitais estavam muito longe de se tornarem a febre que se tornaram em 2020, Marina criou o Seaflowers Digital em 2018, um evento aberto para todas as mulheres surfistas das categorias amadora ou profissional,  com objetivo de entender qual o tamanho do surf feminino no Brasil. Em formato digital, a ideia era isentar as surfistas de custos com deslocamento e hospedagem, com cada uma registrando suas ondas em vídeos e colocando na rede. Marina queria também fomentar a ideia de autopromoção das mulheres surfistas, e instigar o movimento de parceria entre as pontas envolvidas na produção de conteúdo de surf.

Dos vídeos publicados nas redes, aqueles com maior engajamento de público estariam entre os 18 finalistas, que teriam votação de público e de um júri de surfistas renomadas. No final, o festival digital de surf feminino impactou mais de seis milhões de pessoas e resultou em uma viagem de barco exclusivamente para meninas nas Maldivas.

 

Embaixadora do surf feminino

Dois anos antes, Marina já se esforçava para movimentar a cena competitiva feminina no Brasil. Quando viu que uma etapa do QS ia rolar só na categoria masculina na Praia do Forte, Bahia, colocou na cabeça que o evento precisava acontecer também na categoria feminina. Foi essa postura e a sua vontade de fazer os campeonatos femininos internacionais voltarem para o cenário nacional que a levaram ao título de embaixadora do surf feminino na WSL América do Sul.

Investiu em 2016 para garantir o feminino na etapa da Praia do Forte, e em 2018 realizou de forma independente, com apoio da Secretaria do Meio Ambiente de São Francisco do Sul, o São Chico Eco Festival, em Santa Catarina, válido como etapa de QS e Pro Junior. “São eventos que te levam para o circuito mundial. O circuito nacional é muito muito importante para nossa base. Ele te dá condições, muitas vezes, mas não te dá acesso ao mundial. Então, é muito importante ter isso no nosso cenário”, afirma.

Eventos femininos da WSL no Brasil

“Não quero ser uma promotora de eventos, não quero ganhar dinheiro com isso. Minha intenção é fazer os eventos acontecerem, trazer meus contatos comerciais para apoiarem ou estar junto com a Liga para apoiar os projetos. Precisamos movimentar aqui porque tem muita gente surfando pra caramba e que não tem condições de viajar pra fora. E a gente tem um continente gigante com muitos talentos e altas ondas. Não é só Brasil, mas América do Sul, e WSL América Latina agora. Ninguém tem que ficar indo pra China pra competir evento 1.000 ou 1.500 porque não tem evento na nossa região. Se não fica muito difícil chegar ao circuito”, declara.

A ideia é ver novos eventos femininos da WSL no Brasil, mas há muito trabalho a ser feito, ainda mais agora, com o cenário de pandemia e o circuito todo parado. “A gente tem conversado sobre isso e tenho pensado muito em formatos novos que possam chamar atenção das marcas que estão querendo investir em surf. Algumas marcas que realmente estão abraçando o surf feminino, mas nem sempre sabem como fazer a diferença. Patrocinar algumas meninas com certeza ja é super legal. Mas para ter um impacto forte, tem também outras ações que podem ser feitas. Não precisa patrocinar milhões de outras meninas, mas manter um evento todo ano faz diferença na carreira de várias delas” explica.

 

Diversidade de pranchas

Quando parou de competir, Marina olhou para o quiver e só viu pranchas iguais. Aproveitou o canal do YouTube para experimentar novos equipamentos e novas formas de surfar.  Na webserie “Nas Linhas”, entrou na sala de shape para entender como os modelos funcionavam, ter mais conhecimento do equipamento e depois experimentar na água. Foram 5 episódios. Ou seja, 5 pranchas diferentes. Cinco formas diferentes de surfar. Uma biquilha clássica, uma biquilha mais moderna, uma monoquilha, uma alaia, e uma quadriquilha mais progressiva. 

A primeira foi biquilha Skip Frye. Botou na água e achou que tinha desaprendido a surfar. Era o vício de puxar a prancha como fazia com as de competição. Mas uma biquilha naquele estilo jamais responderia da mesma forma. Era preciso deixar a prancha andar para sentir qual linha aquela prancha proporcionava. E foi isso que encantou Marina. Deixou o instinto de lado e trouxe mais consciência para os movimentos do surf. Cada onda que fluía com aquela prancha, era uma conquista.

“Quando você está treinando para competir, você não acerta uma manobra e fica indignada. Mas na verdade tem essa magia do surf, da essência, que é a pura diversão de estar ali e valorizar momentos que eu não estava mais valorizando”, lembra. Se antes o objetivo era entrar e quebrar a onda, Marina agora percebia que tinha esquecido o prazer de deixar o surf fluir. Foi experimentando até entrar no mar com uma alaia e sair sem pegar nem uma onda. “Assim comecei a me inspirar a reaprender a surfar. Com a alaia, um segundo deslizando fazia eu sair da água com um sorriso enorme, achando que tinha quebrado. Era o sentimento de quando a gente está aprendendo a surfar, de conseguir ficar em pé pela primeira vez”, conta.

Cenário do surf feminino

Para ela, o cenário do surf feminino tem tudo para engrenar, movido principalmente por uma novíssima geração que está vindo com tudo, com as famílias apoiando e mais abertura do dos profissionais de mercado. “Ainda falta bastante, mas é muito diferente de quando eu comecei com a competir”, observa.

Quanto às surfistas que vivem seu momento principal agora, é necessário ir com tudo para cima. Enquanto a mudança real de cenário precisa ser desenhada desde a base. Por isso, vê na atitude instigada das meninas de 10 e 11 anos e no apoio maior das famílias e da estrutura profissional envolvida uma mudança de padrão. “Galerinha que já está treinada, instigando e querendo competir, treinando todo dia, fazendo prancha e interessadas nos seus equipamentos, se inspirando também num momento do surf brasileiro que a gente vive hoje, de ídolos. E o circuito está cada vez mais jovem. Realmente é essa galera que vai fazer a mudança”, analisa. “Acredito que a gente vai ter mais meninas no circuito mundial em breve. Mas tem um trabalho forte a ser feito”, complementa.

Marina destaca a grande quantidade de meninas novas surfando. E para uma menina nessa idade estar surfando, é porque a família está apoiando. Tem-se aí os dois passos iniciais. Para vingar na carreira, é preciso estar fissurada e ter uma família que também acredita no caminho. Isso já está acontecendo. É necessário, agora, que profissionais do mercado voltem seu radar também para os talentos femininos. “Isso faz toda diferença. Se temos vários caras no tour hoje, com certeza foi por influência destas pessoas acreditando e trazendo um cenário de estrutura”, analisa.

 

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Surf e maternidade

Frequência menor e transformações do corpo e de consciência são as principais diferenças que Marina vê no surf depois de ter a Moana nos braços. Ela continuou surfando até os 8 meses de gestação, quando a prancha já não servia, e a ideia era só estar dentro d´água deslizando, sem performance. Mesmo assim, era possível se satisfazer ao máximo. Depois do parto, o desafio se tornou a retomada, tanto de tempo para surfar quanto do impacto no preparo físico. “Minutos cronometrados entre as mamadas, e eu com zero preparação física. Até varar a arrebentação, já era hora de sair do mar”, diz. 

Não tinha consciência de algumas coisas até viver na pele. Mesmo grávida, mantinha a remada normal porque vinha treinando direto. De repente, Marina sentiu mudar toda a musculatura do core.  “A primeira vez que fui surfar, não fiquei em pé na prancha. Não tive explosão muscular na pelvis para me levantar. Fui esticada mesmo, de jacaré. Tive várias experiências muito interessantes. E essa foi uma delas”, conta.

Agora encaixando o surf de volta à rotina, não se importa se tem ou não altas ondas. A ideia é entrar na água e valorizar o momento de estar no mar, sozinha, pegando umas ondas e vendo a remada voltar e as pranchas voltarem a sustentá-la. “É muito louco desconstruir toda uma performance para depois ir voltando, e é muito legal essa consciência. Fiquei pensando muito na mulherada, me identifiquei com quem começa a surfar mais tarde, e passei a observar alguns detalhes que fazem a diferença”, diz. 

Dicas para quem está começando

  1. A dica número um é a natação, que te deixa confiante no mar. Surf é 90% remada. Por isso, estar em dia com a natação e a remada é fundamental. “Apneia, natação e condição física para remar, explosão muscular para ficar em pé na prancha. Esse tipo de treino antes de estar dentro do mar é essencial”.
  2. Em segundo lugar, o equipamento. Ter uma prancha com volume adequado, com boa flutuação, vai ajudar a entrar na onda com mais facilidade. Se o objetivo é fazer manobras, não adianta querer começar com uma prancha fininha. Para fluir no início, é legal contar com a ajuda de um equipamento com boa flutuação, estabilidade, mais larga e volumosa. Depois das primeiras conquistas, vai evoluindo para outro equipamento.
  3. Estudar e entender vento, maré e correnteza também faz muita diferença. Estar em sintonia com o mar e ter conhecimento do ambiente que você está entrando gera maior segurança.
  4. E, finalmente, se divertir, não ter vergonha. Preste atenção para não rabear e não ficar no caminho de ninguém. De resto, entra na tua bolha e ninguém está vendo. “Surf é se divertir e se conectar. É a tua meditação ativa. O teu momento. Todo mundo some ao redor!”

 

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Segunda temporada

Nas próximas semanas, vou concentrar na preparação da segunda temporada do VA surfar GINA e quero saber o que você gostaria de ouvir por aqui. Vem falar comigo no Instagram e me contar quem mais ou quais temas você quer aqui nas nossas conversas semanais. Continuamos juntas, e em novembro tem mais!

 

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