O clássico no surf. Mesmo, mesmo? É se divertir. Essa é a filosofia do shaper Neco Carbone. Não importa se a prancha é monoquilha, fundo fifty e tem curva mais reta ou se é triquilha com mais curva. Clássico mesmo é sair feliz do mar. Como estamos totalmente de acordo, podemos considerar este, portanto, um episódio clássico do Surf de Mesa. Saímos todos devidamente atendidos nos quesitos diversão, conhecimento e história pra contar.

Primeira prancha

No verão de 1970, com 11 anos de idade. Neco era da turma do jacaré. Na época em que leash não existia, a brincadeira da molecada era correr atrás de prancha perdida até o dono chegar para resgatar. Pranchada na cara era comum. Às vezes rolava uns dentes quebrados. Suficiente para os pais terem a certeza de que prancha de surf era coisa perigosa, portanto, proibida. Eis que Neco ganhou sua primeira de um vizinho que, quando se mudou, deixou a prancha na garagem e avisou que ele podia usar. Sem poder contar para os pais, a solução foi surfar escondido. Até que o pai, que gostava de passear pela praia fotografando com sua rolleiflex, deu o flagra. Chegou a hora de contar, e o jeito foi surfar para mostrar que sabia.

As fotos renderam, mas de tanto levar para a escola, perdeu a maioria. O que sobrou foi uma foto posando ao lado da Glaspac toda batida. Um buraco no deck não remendado acabou corroendo o bloco, e o resultado foi descascar e transformar em uma desejada shortboard. Apesar da sobrevida, legal mesmo na época em que passava Endless Summer na matinê do cinema, era surfar de long fingindo ser Mike ou Robert.

Neco Carbone aos 11 anos com sua primeira prancha

Neco Carbone em 1970, aos 11 anos, fotografado pelo pai com sua primeira prancha.

Primeiro shape

Mas o primeiro contato profissional com pranchas aconteceu alguns anos depois. Com uns 14 anos, ele soube que a fábrica no morro do Bostrô, na praia do Tombo, onde o californiano Johnny Rice shapeava, tinha vaga para fazer remendo. “A gente varria, ia buscar Coca-Cola, café, pão. E o meu sonho era trabalhar com laminação porque shape parecia estar fora de alcance”, conta. Aos domingos, ele e Neno Matos deixavam suas pranchas velhas de lado para surfar escondido com as pranchas novas que ainda estavam no sand. Surfavam, voltavam, limpavam, davam uma lixadinha pra tirar tudo, e a prancha era finalizada para ir finalmente pras mãos do dono. Chegaram a ser flagrados pelo próprio Johnny, que achou o máximo.

Eram do surf team do shaper que, ao voltar para a Califórnia, deixou uma stinger 6´4 swallow e uma 7,2 diamond prontas ao partir. Foi só quando essas pranchas acabaram, que Neco se aventurou a fazer sua primeira prancha. Em 1977 fez a primeira. A segunda, só em 78. E com mais frequência, passou a shapear entre 83 e 84, quando passou a ajudar Thyola na produção das Lighting Bolts e OPs que iam para as lojas. “A coisa mais difícil pra aprender é arrumar prancha pra fazer. Foi aí que eu comecei a praticar. Começava cedo, ficava trabalhando, e quando o Thyola chegava, eu ia pro conserto e outras coisas menores”, lembra.

Sundek e a 9´3 amarela de Nat Young

Até o Sundek em 1988, etapa do circuito mundial em Itamambuca, poucas pranchas passavam de 8´2 porque era mais difícil o acesso aos blocos maiores. Com o Sundek, veio a regra dos 9 pés. Foi nessa época que Neco, competidor, fez seu primeiro longboard. Como os shapers californianos estavam mais evoluídos no shape de longboard moderno, a Takayama de Nat Young foi a sensação do evento.

A 9´3 amarela monoquilha já era moderna para a época. Não se parecia com as pranchas da década de 60. E isso chamou atenção. “O Pascoal, que era shaper da Star Model e tinha cara de pau, pediu a prancha pra tirar o outline. Pegamos poster do campeonato, umas fitas crepes, grudamos tudo e tiramos o outline. Fez aquela rodinha ao redor, todo mundo animado. Quando voltei pro Guarujá, o Rico (de Souza) ja estava me ligando pra eu mandar pra ele. Mandei pra um monte de gente, compartilhei”, ri. Guarda o outline até hoje e fez a réplica há alguns anos.

Quando o surf começou a se desenvolver no Brasil, na década de 60, lá fora já iniciava o movimento que culminou na revolução das shortboards. Por isso, tudo chegou bastante misturado por aqui. Do Sundek para frente, quem surfava de shortboard e passou a surfar com long, acabou trazendo um estilo mais progressivo. E, com isso, a necessidade de acompanhar na evolução do equipamento. Triquilha ou tri com estabilizador, e características de performance no longboard. Rocker, deck, mais leve, mais curva. “Fomos os primeiros a colocar mais curva e influenciamos as pranchas gringas depois que eles viram o Picuruta dando aquelas pancadas retas”, diz Neco.

Jaime Viudes carregando longboard amarelo do shaper Neco Carbone

A réplica, shapeada por Neco Carbone, da 9´3 amarela que Nat Young usou no Sundek de 1988. Foto: Raphael Tognini

Preferência pessoal

Mesmo quando Joel Tudor apareceu, com 13 ou 14 anos, surfava progressivo e com três quilhas. Depois o surfista buscou trazer de volta o surf tradicional e, com isso, gerou um movimento que trouxe o longboard clássico de volta com força total. O hype refletiu diretamente nas encomendas. E, hoje, a proporção de pedidos recebidos por Neco é de um long híbrido para cada nove clássicos. Só não vê sentido para conflito entre estilos.

“O objetivo é o cara ir pra água com o equipamento que vai ajudar. Tem certos tipos de onda que são muito difíceis de surfar com uma monoquilha clássica. Nesse caso, é melhor fazer uma prancha com características mais progressivas pra pessoa poder sobreviver. Eu não tenho preferência, nem preconceito. O importante é ir pra água com uma prancha que vai te resolver e não te sacanear”, fala. Também não vê motivo para mudar de postura ao mudar de prancha. “Dá pra surfar do jeito que você surfa com qualquer uma das duas pranchas. Tem gente que se divide e não precisa. Tem que ser o que você é com qualquer prancha”, defende. Mas pessoalmente, a preferência é por monoquilha em marola. Melhor se for de 9´8 para cima.

Longboard e quilha

A relação entre o shape e a quilha é uma dúvida recorrente para quem tem interesse no long clássico. Simplificadamente, Neco explica que os principais modelos se dividem entre pivô, com a largura da base mais parecida com a ponta; e as mais convencionais, com a largura diminuindo quanto mais próxima da ponta. As convencionais são boas para fazer curva e também noseriding, ainda que possam desgarrar um pouco quando se está no bico.

Para um noseriding firme, sem desgarrar de jeito nenhum, é mais recomendada uma pivô, com área bem semelhante até a ponta. Elas até fazem curva, mas não tão bem quanto as outras. Existem, óbvio, uma variação muito maior, mas estas são, na sua opinião, o básico para começar a entender a relação entre o longboard clássico e a quilha. Para ele, pessoalmente, há muito mais apego à quilha do que à prancha. “O que mais funciona é quilha e borda. Então, se você tem uma quilha que já conhece, é como se estivesse com uma prancha que você já conhece”, explica.

A lógica do noseriding

Há pouco tempo, o shaper Michael Takayama apareceu com um conceito de prancha que beira a bizarrice, na opinião de Neco, mas que faz o surfista levitar no bico. Muito parecida com uma Bob Simmons, do meio pra trás ela fecha muito pouco em largura. O que dá sustentação no bico é a rabeta, e a grande sacada da prancha é apostar tudo nisso.

A distribuição da prancha tem bastante volume na frente e afina muito do meio para trás. Afina no perfil e ainda faz um v-botton no deck e no fundo do meio para trás. “A rabeta fica um papel”, diz Neco. Tudo para a rabeta afundar. Ou seja, a prancha tem o centro de gravidade todo para frente. Não é preciso nem pisar no tail para afundar a rabeta. Do meio para o tail, a água já sobe e permite a ida até o bico. “Com isso, ele ensinou muita coisa sobre prancha fácil para andar no bico”, comenta. Ainda que seja uma péssima prancha para fazer curva.

Neco fez uma no mesmo estilo para o surfista Nacho Pignataro. Foi a primeira. Depois, dois portugueses também se encantaram pela mágica. Fez uma para ele mesmo, mas não gostou porque sente que a prancha breca muito. Para ele, o que rendeu mesmo foi o aprendizado sobre essa facilidade de noseriding na prancha. Já o filho Marcelo Carbone pegou o jeito e se empolgou com a ideia, fazendo novas adaptações.

Quanto mais simples, melhor a prancha

Quando se fala em pranchas de surf, aliás, de tempos em tempos é comum surgirem características exageradas que acabam sendo incorporadas de forma mais suave posteriormente, ajudando muito na evolução. São tendências testadas até o limite com objetivo de saber até onde funcionam. Só depois encontram um equilíbrio que será incorporado ao design de pranchas de uma forma geral. Por isso, é na simplicidade que Neco gosta de voltar sempre que sente necessidade.

Para ser boa, a prancha tem que combinar os ingredientes ideais em um jogo de compensação. Vai lidando com forças contrárias. Uma coisa compensa a outra e todas precisam estar em harmonia. Quando isso acontece, a prancha faz tudo conforme você comanda. É a famosa prancha mágica. Geralmente, quanto mais simples a prancha, melhor ela fica. Por isso que muitos dos melhores shapers, apesar de toda a tecnologia e informação disponível hoje, carregam seus melhores outlines há muito tempo.

Neco conta que o que está no topo da cadeia de tudo que faz partiu de um template de Bing Nuuhiwa que ganhou do shaper Jimmy Lewis. De passagem pelo Brasil, fez uma ensinando Neco. Esta original, com um concave profundo e grande, foi a prancha que ele digitalizou e sobre a qual faz suas adaptações. “Vou mudando as coisas, mas tudo partiu dela”, diz. E, às vezes, quando vê que está ficando muito distante, volta ao template para retomar a simplicidade.

Quer ouvir a conversa completa sobre longboard com Neco Carbone? Então, dá o play aqui ó:

 

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