A partir de uma conversa sobre estilo com Gabriel Medina, conhecemos suas referências de surf, moda, estética, música e arte para tentar entender como o surfwear pode evoluir
O que OBJ, jogador da NFL, Jimmy Butler, da NBA, David Beckham, Lewis Hamilton e o trapper Veigh têm em comum?
Além do inegável sucesso avassalador em suas carreiras, são donos de estilos próprios que ganham tanta atenção quanto seus feitos profissionais. Mais um detalhe ainda os aproxima: são referências de estilo para Gabriel Medina.
O esporte e a música sempre ditaram moda. A do surf dominou tendências durante décadas e já foi uniforme de 9 entre 10 jovens, fossem eles surfistas ou não. Há algum tempo, já não é bem assim. E para o core, muito mais por possíveis opressões de comportamento do que por vontades e gosto individuais genuínos, de um tempo pra cá as escolhas parecem ter se resumido a uma simples questão que evoca sentidos em parte práticos, em parte estéticos, e em parte comportamentais: o famigerado comprimento da bermuda.
Importante? Sim. Boardshort é equipamento. Mas deveríamos estar longe de restringir o debate sobre moda e estilo no surf somente à funcionalidade.
É fácil entender de onde surge a ideia de que um único código de vestimenta deveria mandar nas escolhas de estilo do surfista, mas é fato que um choque de interpretações sobre até aonde o surfista pode se expressar através da moda tem levantado críticas tão bizarras quanto desclassificar como surfista até mesmo os maiores nomes do esporte.
Se, na visão dos mais conservadores, campeões mundiais e atletas olímpicos da categoria não seriam “verdadeiros surfistas” (com todas as aspas que isso merece) porque deixaram de se vestir somente de bermuda e chinelo em toda e qualquer ocasião e passaram a expressar suas personalidades para além do que vivem no espaço entre a faixa de areia e o outside, isso merece ser entendido como algo mais significativo do que uma simples falha na matrix do surf.
Ainda que muitos prefiram acreditar nessa hipótese, perceber o cenário de um ponto de vista mais amplo é fundamental. Fazer uma comparação com outros esportes, inclusive as modalidades das principais referências de Medina, pode ajudar.
Em retrospecto, a NBA sempre teve uma relação muito próxima com a moda devido a sua relação com as ruas e a vida urbana. Mas em 2005 os jogadores deram adeus aos bermudões para atender ao dress code social imposto pelo ex-comissário da liga, David Stern, na chegada para as partidas. E ali tinha início a transformação dos corredores dos ginásios em uma espécie de passarela. Na medida em que os jogadores usavam a criatividade para resgatar sua individualidade e personalidade apesar das regras restritas, passou a fazer parte de suas rotinas brincar com o próprio dress code de maneira particular.
Isso fez com que os jogadores da NBA acabassem virando referência de estilo, elegância e expressão para além dos ginásios. Começava então uma relação com via de mão dupla entre os atletas e a moda. Se a moda sempre absorveu referências dos esportes, por que os atletas não poderiam absorver referências da moda? Foi então um pulo até surgirem as colaborações de atletas com as marcas esportivas para trazer para as peças que usavam suas necessidades em quadra ou fora delas, e também de marcas esportivas com marcas de alta-costura.
Enquanto jogadores e ligas passavam a gerar esse novo interesse também fora das partidas, Odell Beckham Jr, o OBJ, foi o expoente de estilo na NFL com seus trajes pré-jogo. O outro Beckham no futebol e Hamilton na Fórmula 1 dispensam contextualização. Além de referências como campeões em suas modalidades e em seus posicionamentos pessoais, sempre foram vistos como ícones de moda e personalidade. Na medida em que o surf brasileiro se tornou tão vencedor (motivo de orgulho de 10 entre 10 brasileiros) e, consequentemente, midiático, não parece um tanto contraditório esperar que as coisas fiquem no mesmo lugar?
Continuar usando bermuda e chinelo da praia ao casamento da tia é escolha de cada um. Ninguém vai obrigar ninguém a fazer diferente do que quer. E não é porque alguém ganhou três títulos mundiais que também não poderia usar o que quer, certo? O mesmo vale para seus companheiros de CT e Jogos Olímpicos.
Enquanto fazia sua parte no que chamou de milagre para conquistar a vaga olímpica, Medina conversou com a Flamboiar sobre algo do que você nunca ouviu ele falar: seu próprio estilo.
Pela primeira vez, ele interferiu diretamente na criação de uma coleção da marca que o patrocina. A cápsula seguiu as referências que Gabriel entregou em um mood board, e no final das contas, ele levou suas inspirações de estética, música e arte para o que está usando dentro do mar enquanto faz seu trabalho.
Você acha que a moda ajuda a expressar livremente quem você é? Acho que a moda tem sim esse poder. Na maioria das vezes, o estilo que você se veste reflete um pouco da sua personalidade e como você se expressa para o mundo.
Em que momento você sacou que as roupas, o que você usa, a moda tem esse peso? Foi uma coisa que foi surgindo de maneira natural, com o passar do anos mesmo. Quando você é mais novo, você acaba não prestando muita atenção nisso, só quer surfar e se divertir. Depois que vai ficando mais velho, começa a entender um pouco mais desse universo e vai criando o seu estilo.
Quando a gente é moleque, sempre tem aqueles surfistas em quem a gente se inspira pelo surf e também pela atitude e jeito de se vestir fora d’agua. Quando era mais novo, quem foram os surfistas que te inspiraram desse jeito? Mick Fanning sempre foi meu ídolo e me inspirei nele. Anos depois poder ser do time dele pela Rip Curl e ter tido a oportunidade de competir e conviver com o Mick foi incrível. Tem muitos outros que nos inspiram por estilo, conquistas, etc. Kelly, Tom Curren e vários outros também me inspiraram, mas o Mick é quem mais me influenciou.
Quais são as suas referências de moda, estética, música ou arte em geral que ajudam a mostrar pro mundo a sua personalidade hoje? Tem bastante gente que me inspira, e de diferentes estilos e personalidades, mas alguns são o OBJ, jogador da NFL, o Jimmy Butler, da NBA, o Beckham, ex-jogador de futebol, o Veigh, que é um amigo e cantor aqui do Brasil e está fazendo muito sucesso, e também o Lewis Hamilton.
Como você enxerga esse encontro de referências, do surf e de fora do surf, dentro de quem você é? É um tema que é bem engraçado porque na maior parte do tempo eu estou com bermuda de surf e roupas mais leves, e quando tem algum evento mais formal, com trajes mais elegantes, eu gosto de me arrumar e a galera sempre fala: “Caraca, é muito diferente te ver vestido dessa forma, fica legal”. A galera fica mais acostumada comigo sempre de surfista e quando tem o lado Gabriel mais arrumado, é legal de ver a reação do pessoal.
Você tem essa capacidade de transitar em estilos marcantes tanto na praia quanto fora dela. Você se importa com as pessoas que criticam seu estilo? É um tema que não me incomoda de forma nenhuma… cada um tem a sua opinião e eu respeito.
No meu ponto de vista, não precisa seguir nenhum tipo de padrão, cada um tem que se vestir como se sente bem e confortável. Eu tenho a minha forma de me vestir, você tem a sua e está tudo certo.
Vimos, de um tempo pra cá, a presença de artes relacionadas ao fogo nas suas pranchas. E isso está presente também nos grafismos da tua coleção. O fogo tem algum significado específico para você? É um elemento que eu acho muito bonito, sinto bastante a presença da natureza quando observo o fogo. E também tem o fato de ser um elemento que visualmente fica bonito nas estampas, então, foi uma forma de unir o útil ao agradável.
Outra coisa que chamou atenção nos últimos tempos foram as miçangas (Gabriel tem feito e usado colares de miçanga). Conta pra gente essa história. É um assunto engraçado. Quando estive na Califórnia e no Tahiti ano passado, vi muitos colares legais e esse interesse foi algo que surgiu de maneira natural. Tive curiosidade de entender como era o processo, e acabei achando legal fazer os meus próprios em dias flats em Maresias. Era um processo relaxante e curto o resultado. E posso usar também!
Percebemos que está rolando uma referência à estética dos anos 90, que também está presente na cápsula. Quais foram as referências que você trouxe no mood board e o que você quis transmitir com a coleção?Acho que a moda atual cada vez mais ressignifica e reutiliza as tendências mais antigas, então achei legal trazer isso para essa coleção. Encontrei uma forma de trazer essa referência mais antiga e unir isso a esse elemento que eu gosto e acho bonito, que é o fogo. Até comentamos antes, né, de algumas pranchas com fogo que já tive, também trazendo essa estética retrô.
E a pergunta que não quer calar. Essa treta no surf que é tipo feijão por baixo ou por cima do arroz: o comprimento de bermuda. Qual sua preferência? Mais comprida ou mais curta? (Risos) Pergunta engraçada e a minha resposta vai ser engraçada também. Muita gente me pergunta isso, mas na verdade eu não gosto nem de bermuda muito curta e nem muito comprida, gosto meio termo, ali na altura do joelho… Assim está perfeito (risos).
Publicado originalmente na edição impressa nº 01 da Revista Flamboiar. Para saber mais, clique aqui
A partir de uma conversa sobre estilo com Gabriel Medina, conhecemos suas referências de surf, moda, estética, música e arte para tentar entender como o surfwear pode evoluir
Por Carolina Bridi
O que OBJ, jogador da NFL, Jimmy Butler, da NBA, David Beckham, Lewis Hamilton e o trapper Veigh têm em comum?
Além do inegável sucesso avassalador em suas carreiras, são donos de estilos próprios que ganham tanta atenção quanto seus feitos profissionais. Mais um detalhe ainda os aproxima: são referências de estilo para Gabriel Medina.
O esporte e a música sempre ditaram moda. A do surf dominou tendências durante décadas e já foi uniforme de 9 entre 10 jovens, fossem eles surfistas ou não. Há algum tempo, já não é bem assim. E para o core, muito mais por possíveis opressões de comportamento do que por vontades e gosto individuais genuínos, de um tempo pra cá as escolhas parecem ter se resumido a uma simples questão que evoca sentidos em parte práticos, em parte estéticos, e em parte comportamentais: o famigerado comprimento da bermuda.
Importante? Sim. Boardshort é equipamento. Mas deveríamos estar longe de restringir o debatesobre moda e estilo no surf somente à funcionalidade.
É fácil entender de onde surge a ideia de que um único código de vestimenta deveria mandar nas escolhas de estilo do surfista, mas é fato que um choque de interpretações sobre até aonde o surfista pode se expressar através da moda tem levantado críticas tão bizarras quanto desclassificar como surfista até mesmo os maiores nomes do esporte.
Se, na visão dos mais conservadores, campeões mundiais e atletas olímpicos da categoria não seriam “verdadeiros surfistas” (com todas as aspas que isso merece) porque deixaram de se vestir somente de bermuda e chinelo em toda e qualquer ocasião e passaram a expressar suas personalidades para além do que vivem no espaço entre a faixa de areia e o outside, isso merece ser entendido como algo mais significativo do que uma simples falha na matrix do surf.
Ainda que muitos prefiram acreditar nessa hipótese, perceber o cenário de um ponto de vista mais amplo é fundamental. Fazer uma comparação com outros esportes, inclusive as modalidades das principais referências de Medina, pode ajudar.
Em retrospecto, a NBA sempre teve uma relação muito próxima com a moda devido a sua relação com as ruas e a vida urbana. Mas em 2005 os jogadores deram adeus aos bermudões para atender ao dress code social imposto pelo ex-comissário da liga, David Stern, na chegada para as partidas. E ali tinha início a transformação dos corredores dos ginásios em uma espécie de passarela. Na medida em que os jogadores usavam a criatividade para resgatar sua individualidade e personalidade apesar das regras restritas, passou a fazer parte de suas rotinas brincar com o próprio dress code de maneira particular.
Isso fez com que os jogadores da NBA acabassem virando referência de estilo, elegância e expressão para além dos ginásios. Começava então uma relação com via de mão dupla entre os atletas e a moda. Se a moda sempre absorveu referências dos esportes, por que os atletas não poderiam absorver referências da moda? Foi então um pulo até surgirem as colaborações de atletas com as marcas esportivas para trazer para as peças que usavam suas necessidades em quadra ou fora delas, e também de marcas esportivas com marcas de alta-costura.
Enquanto jogadores e ligas passavam a gerar esse novo interesse também fora das partidas, Odell Beckham Jr, o OBJ, foi o expoente de estilo na NFL com seus trajes pré-jogo. O outro Beckham no futebol e Hamilton na Fórmula 1 dispensam contextualização. Além de referências como campeões em suas modalidades e em seus posicionamentos pessoais, sempre foram vistos como ícones de moda e personalidade. Na medida em que o surf brasileiro se tornou tão vencedor (motivo de orgulho de 10 entre 10 brasileiros) e, consequentemente, midiático, não parece um tanto contraditório esperar que as coisas fiquem no mesmo lugar?
Continuar usando bermuda e chinelo da praia ao casamento da tia é escolha de cada um. Ninguém vai obrigar ninguém a fazer diferente do que quer. E não é porque alguém ganhou três títulos mundiais que também não poderia usar o que quer, certo? O mesmo vale para seus companheiros de CT e Jogos Olímpicos.
Enquanto fazia sua parte no que chamou de milagre para conquistar a vaga olímpica, Medina conversou com a Flamboiar sobre algo do que você nunca ouviu ele falar: seu próprio estilo.
Pela primeira vez, ele interferiu diretamente na criação de uma coleção da marca que o patrocina. A cápsula seguiu as referências que Gabriel entregou em um mood board, e no final das contas, ele levou suas inspirações de estética, música e arte para o que está usando dentro do mar enquanto faz seu trabalho.
Você acha que a moda ajuda a expressar livremente quem você é? Acho que a moda tem sim esse poder. Na maioria das vezes, o estilo que você se veste reflete um pouco da sua personalidade e como você se expressa para o mundo.
Em que momento você sacou que as roupas, o que você usa, a moda tem esse peso? Foi uma coisa que foi surgindo de maneira natural, com o passar do anos mesmo. Quando você é mais novo, você acaba não prestando muita atenção nisso, só quer surfar e se divertir. Depois que vai ficando mais velho, começa a entender um pouco mais desse universo e vai criando o seu estilo.
Quando a gente é moleque, sempre tem aqueles surfistas em quem a gente se inspira pelo surf e também pela atitude e jeito de se vestir fora d’agua. Quando era mais novo, quem foram os surfistas que te inspiraram desse jeito? Mick Fanning sempre foi meu ídolo e me inspirei nele. Anos depois poder ser do time dele pela Rip Curl e ter tido a oportunidade de competir e conviver com o Mick foi incrível. Tem muitos outros que nos inspiram por estilo, conquistas, etc. Kelly, Tom Curren e vários outros também me inspiraram, mas o Mick é quem mais me influenciou.
Quais são as suas referências de moda, estética, música ou arte em geral que ajudam a mostrar pro mundo a sua personalidade hoje? Tem bastante gente que me inspira, e de diferentes estilos e personalidades, mas alguns são o OBJ, jogador da NFL, o Jimmy Butler, da NBA, o Beckham, ex-jogador de futebol, o Veigh, que é um amigo e cantor aqui do Brasil e está fazendo muito sucesso, e também o Lewis Hamilton.
Como você enxerga esse encontro de referências, do surf e de fora do surf, dentro de quem você é? É um tema que é bem engraçado porque na maior parte do tempo eu estou com bermuda de surf e roupas mais leves, e quando tem algum evento mais formal, com trajes mais elegantes, eu gosto de me arrumar e a galera sempre fala: “Caraca, é muito diferente te ver vestido dessa forma, fica legal”. A galera fica mais acostumada comigo sempre de surfista e quando tem o lado Gabriel mais arrumado, é legal de ver a reação do pessoal.
Você tem essa capacidade de transitar em estilos marcantes tanto na praia quanto fora dela. Você se importa com as pessoas que criticam seu estilo? É um tema que não me incomoda de forma nenhuma… cada um tem a sua opinião e eu respeito.
No meu ponto de vista, não precisa seguir nenhum tipo de padrão, cada um tem que se vestir como se sente bem e confortável. Eu tenho a minha forma de me vestir, você tem a sua e está tudo certo.”
Vimos, de um tempo pra cá, a presença de artes relacionadas ao fogo nas suas pranchas. E isso está presente também nos grafismos da tua coleção. O fogo tem algum significado específico para você? É um elemento que eu acho muito bonito, sinto bastante a presença da natureza quando observo o fogo. E também tem o fato de ser um elemento que visualmente fica bonito nas estampas, então, foi uma forma de unir o útil ao agradável.
Outra coisa que chamou atenção nos últimos tempos foram as miçangas (Gabriel tem feito e usado colares de miçanga). Conta pra gente essa história. É um assunto engraçado. Quando estive na Califórnia e no Tahiti ano passado, vi muitos colares legais e esse interesse foi algo que surgiu de maneira natural. Tive curiosidade de entender como era o processo, e acabei achando legal fazer os meus próprios em dias flats em Maresias. Era um processo relaxante e curto o resultado. E posso usar também!
Percebemos que está rolando uma referência à estética dos anos 90, que também está presente na cápsula. Quais foram as referências que você trouxe no mood board e o que você quis transmitir com a coleção? Acho que a moda atual cada vez mais ressignifica e reutiliza as tendências mais antigas, então achei legal trazer isso para essa coleção. Encontrei uma forma de trazer essa referência mais antiga e unir isso a esse elemento que eu gosto e acho bonito, que é o fogo. Até comentamos antes, né, de algumas pranchas com fogo que já tive, também trazendo essa estética retrô.
E a pergunta que não quer calar. Essa treta no surf que é tipo feijão por baixo ou por cima do arroz: o comprimento de bermuda. Qual sua preferência? Mais comprida ou mais curta? (Risos) Pergunta engraçada e a minha resposta vai ser engraçada também. Muita gente me pergunta isso, mas na verdade eu não gosto nem de bermuda muito curta e nem muito comprida, gosto meio termo, ali na altura do joelho… Assim está perfeito (risos).