Esta semana, Junior Faria chegou por aqui com uma hipótese. Apesar de o surf não ser o único esporte praticado na natureza, é o único que teria certa exclusividade de sentido no uso do ambiente natural envolvido – ou seja, as ondas. Mais precisamente, a arrebentação das ondas.

Explicando melhor: todo e qualquer esporte praticado na natureza seria uma adaptação do ambiente, onde o praticante se insere a partir de uma atividade lúdica inventada para interagir com o espaço. São ambientes estáticos sobre os quais as pessoas inventam possibilidades de ação em via única, independente de uma interação mútua da natureza com o que está acontecendo sobre ela. Ou seja, são espaços que não parecem existir com a finalidade única da diversão humana.

O que ele estava querendo dizer é o seguinte: as ondas foram feitas para surfar, e apenas isso.

 

A hipótese ganha reforço com a existência de alguns lugares que proporcional condições ainda mais perfeitas para uma jornada épica do ser na interação com o ambiente. É como se a cada onda o caminho se abrisse exclusivamente para a realização daquela trajetória. Trata-se de um fim exclusivo de exploração de um fenômeno natural ocorrido a partir da combinação de inúmeros fatores aleatórios. Algumas ondas em alguns lugares do planeta Terra parecem reforçar ainda mais essa finalidade.

Como as ondas estão acontecendo na natureza desde a origem do mundo, seja ele qual for, o contra-argumento é que o surf também é uma atividade de fim lúdico atribuída ao interesse dos seus praticantes, sejam eles animais racionais ou não. Afinal, o surf também é praticado por outras espécies. Estão aí golfinhos, focas, baleias, peixes e companhia para comprovar. Mas o fato é que a onda é um fenômeno natural gerador de uma situação que não parece fornecer outro sentido senão a intenção de acompanhá-la pelo caminho que se abre. “Para que serve um tubo, por exemplo, se não é para alguém entrar ali dentro e depois sair amarradão?”, questionava-se Junior.

Como o ser humano é uma maquininha de atribuir sentido a coisas (e aí está a apofenia para comprovar), Carol Bridi e Rapha Tognini embarcaram na teoria de Junior Faria. E do desenrolar destas possibilidades, surgiu mais um episódio do Surf de Mesa.

 

 

Afinal, para que servem as ondas? Em uma humanidade extremamente adepta ao comportamento mercantil, é espantoso percebermos que este fenômeno natural não tenha sido usado para fins de ampla geração da riqueza financeira – como ocorreu com o fogo, por exemplo. Ao este outro fenômeno da natureza foram atribuídos sentidos e usos a ponto de ter se integrado ao cerne do desenvolvimento da humanidade.

Segundo reportagem da BBC, a energia contida em uma grande onda de Nazaré, por exemplo, poderia carregar a bateria de 30 milhões de smartphones. E as ondas poderiam se tornar uma promissora fonte renovável do futuro, com potencial para suprir 10% da demanda global. Os motivos que fazem isso ainda não estar sendo amplamente explorado pelas forças econômicas? Ainda não sabemos. Fato é que, por enquanto, o único sentido que os seres dão a uma onda parece ser a finalidade de utilizá-la para a prática do surf. O que ocorre, aliás, no momento em que ela está deixando de existir.

O surfista interage com toda aquele pulso energético que se deslocou através do mar desde a longínqua origem da onda exatamente no momento em que ela está deixando de existir. É na hora da quebra, quando ocorre o fim daquele ciclo de energia que até então caminhava pelo oceano, que o surf acontece.

Em seu momento derradeiro, a energia que está prestes a morrer ganhou algum sentido de existência no exato instante em que o surfista deu a ela sua utilidade pessoal. Utilidade centrada na atividade lúdica de um indivíduo.

Mas, então, para que servem as ondas mesmo? Esse episódio do Surf de Mesa acaba trazendo mais um argumento para continuarmos entendendo o surf como uma atividade incomparável a qualquer outra. Uma ação que encontra seu único e completo sentido em si mesma. Um oásis provocado por uma experiência tão individual quanto coletiva em um mundo que carece da leveza do inútil. O que nos leva de volta ao belo conceito de inutensílio do Leminski. Para que servem as ondas? A pergunta que dá título a esse texto remete a outra pergunta que nos fizemos no episódio sobre a utilidade do surf. Tanto o surf quanto as ondas parecem servir a uma única função: a necessidade orgânica de respirar em meio ao caos e, assim, encontrar caminhos mentais para apreciar a beleza que existe na instabilidade da experiência humana.

 

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