Que prancha é boa para que, para onde e para quem? Se você também vive às voltas com essas questões quando o assunto é equipamento e escolha das suas pranchas, este episódio do Surf de Mesa é para você. Junior Faria, Carolina Bridi e Raphael Tognini conversam sobre o que se pode esperar de cada tipo de prancha, criando uma espécie de guia radiofônico sobre pranchas de surf. Na parte 1, uma introdução sobre o momento em que estamos na história das pranchas de surf, além de opiniões sobre softboards tradicionais, softboards modernas e longboards iniciam a longa conversa sobre equipamento.

Coexistência das pranchas

É relativamente recente o contexto de aceitação de todos os tipos de pranchas em um mesmo momento histórico. Se ao longo do tempo a perseguição pela evolução de performance foi moldando a presença predominante sempre de um determinado tipo de prancha nos lineups do mundo, hoje, as de mais alta performance convivem passivamente com as retrôs nos mais variados litorais.

Os mais jovens podem até não lembrar da época em que não era nada cool surfar de monoquilha, biquilha, longboard ou alaia. Mas este tempo não só existiu como era a regra.

Um tempo em que, havendo novidade no design visando evolução na radicalidade, se deixava para trás o que supostamente não servia mais ao propósito único de evolução na performance.

O movimento retrô começou a pegar de vez no surf, trazendo maior liberdade de escolhas em relação a equipamentos, a partir do começo dos anos 2000. Antes disso, cada época foi extremamente marcada por modelos específicos que representavam o mais alto desempenho do período. Não por acaso, quando o longboard voltou a tomar espaço como competição na década de 90, a estranheza foi grande. Afinal, para que serviria surfar com pranchas grandes se o alto desempenho indicava para o lado oposto?

Diversidade no lineup?

Atualmente vivemos um momento de maior diversidade de equipamentos, com surfistas se permitindo optar por diferentes estilos de surf. Ou seja, pela busca de sua alta performance individual ao invés daquela ditada pelo avanço do design dos equipamentos.

Na esteira do movimento retrô, por outro lado, também veio uma forte tendência de rejeição ao avanço e ao novo. A ideia de que nada do que é moderno tem valor atua como um polo inverso do mesmo extremo ocorrido na década de 90, por exemplo. Se naquela época houve uma espécie de ditadura das pranchas extremamente estreitas e finas inspiradas na tendência ditada por Kelly Slater, hoje há quem renegue e desatribua valor a tudo que não é clássico ou retrô.

Este talvez seja o primeiro momento na história do surf em que a evolução sofre rejeição, tendo em vista que toda a história das pranchas de surf se deu ao longo de décadas pela busca incessante de evolução da alta performance.

Mas o que é performance?

O retrô de hoje é o high performance de ontem. Todo tipo de prancha foi pensado, ao longo da história, para ter a performance mais radical possível no contexto em que surgiu. Isso significa que todas as pranchas usadas hoje como algo tradicional, original ou clássica foram o que havia de mais moderno e alto desempenho de sua época.

Pense numa Lightning Bolt clássica dos anos 70, aquela monoquilha charmosa com mais de 7 pés. Visualizou? Hoje, ela é uma prancha clássica. Mas na época, era o equivalente a um carro de Fórmula 1 no pé dos surfistas.

Gerry Lopez usava uma dessas para surfar Pipeline, até então considerada a última fronteira do surf. Isso era o que materiais, tecnologias e shapers da época permitiam chegar em design para os melhores surfistas do mundo atacarem a onda mais desafiadora da maneira mais radical possível.

Por isso, tenha sempre em mente que o que hoje é usado como clássico, um dia foi alta performance. Ou seja, nasceu exatamente com o mesmo propósito do que as pranchas mais modernas da atualidade.

Eterna busca

Mesmo uma olo, alaia ou paipo, pranchas tradicionais polinésias que coexistiram nos primórdios do surf, garantiram um melhor deslizar do que um pedaço de madeira bruta. Naquele momento, elas também representaram um avanço de performance.

São pranchas vistas hoje como rudimentares, mas que na realidade tinham um elaborado processo de produção. Eram construídas durante meses com ferramentas manuais para proporcionar o formato possível para deslizar melhor na onda. Quando finalizada a forma, eram enterradas na lama para que todos os poros da madeira fossem selados em mais de um tratamento, acumulando aí mais um longo tempo de produção.

Isso não só demonstra o lugar de relevância que o surf ocupava na cultura polinésia, como sugere empenho no desenvolvimento de um instrumento para proporcionar a melhor performance tendo em vista os conhecimentos de processo, materiais e ferramentas disponíveis na época.

Alta performance do indivíduo

O ponto mais sutil de toda a discussão sobre que prancha usar e quando usar depende muito de como cada indivíduo enxerga o surf. É perfeitamente discutível se um longboard com mais de 9 pés é a melhor prancha para se usar em um mar maior que o surfista, ou se uma biquilha é a prancha certa em um mar tubular de 6 ou 7 pés. São estas as pranchas que vão dar o maior desempenho diante do que hoje compreendemos como high performance? Certo que não. Mas pegar uma prancha, sabendo exatamente o que ela é capaz de fazer, se jogar numa onda desafiadora e completar representa a alta performance do ser humano, e não da prancha.

Isso significa subverter a ideia do que hoje se entende como onda específica para cada prancha. Ou seja, subverter a ideia de alta performance do equipamento para compreender a alta performance do indivíduo.

É Torren Martyn pegando Nias de biquilha; Jamie O´Brien pegando Pipeline com uma softboard de mercado; Reef McIntosh dropando Pipe com um longboard de madeira balsa. Claro que estes são sufistas que já fizeram tudo que podia ser feito nestas ondas e decidiram ver o que mais conseguiriam fazer com um equipamento teoricamente inapropriado para as condições. Mas cabe aqui como informação para expandir a mente e abrir as portas da percepção a novas experiências.

Por isso, vamos passar pela maior quantidade possível de tipos de pranchas que temos disponíveis hoje no mercado, comentando sobre suas características principais e objetivos (ou não) dentro das mais variadas possibilidade de jornada de um surfista.

Primeira prancha

A maioria das pessoas tem seu primeiro contato com o surf usando pranchas de espuma. Seja o bodyboard comprado na banca a caminho da praia para brincar na infância ou a softboard da escolinha, pranchas de espuma são sempre boas para iniciar. A dica é começar sempre com a maior prancha disponível. Stand-ups sem o remo, por exemplo, também são uma boa ideia para chegar já sentindo a sensação de deslizar em pé sobre uma onda. O mais importante, nesse primeiro momento, é saber que muito provavelmente você não ficará muito tempo com a prancha com a qual vai começar. É normal que, em pouco tempo, você troque de equipamento. Isso não significa necessariamente abandonar completamente o anterior.

Se começar com longboard visando surfar depois com shortboard, é indicado que, ao chegar na pranchinha, mantenha o long para surfar nos dias de marola, garantindo assim a frequência.

Mas o mais importante no início, antes de comprar uma prancha, é perguntar exaustivamente para quem realmente entende do assunto.

Busque fábricas de prancha e não economize nas perguntas, por mais bobas que pareçam. É importante conversar com vários shapers até encontrar aquele em quem sinta mais segurança quanto às informações e explicações. Vale muito também sair perguntando para quem você sente confiança, seja um surfista profissional, uma mídia de surf, um professor de surf, enfim… Tente encontrar contatos confiáveis que possam esclarecer suas dúvidas antes de decidir qualquer coisa. Afinal, ninguém quer se decepcionar logo no primeiro grande investimento surfístico.

Softboard

Como o próprio nome sugere, são pranchas feitas de um material mais macio (espuma) do que as pranchas laminadas com resina. Hoje, além das softboards clássicas para iniciantes, muito encontradas em escolas de surf, tem surgido o hype de outro tipo de softboard. Aqui, vamos chamar esta nova categoria de softboard cool ou softboard hypster. A história começou com Jamie O´Brien e seu modelo Beater da Catch Surf. E, mais recentemente, também Gabriel Medina lançou sua linha de softboards aqui no Brasil. Ela tem sido uma via de diversão desencanada.

Mas, voltando às tradicionais softboards, tão vítimas de preconceito, é fundamental destacar que são ótimas para o primeiros contatos com o esporte.

Não são pranchas elaboradas em design ou acabamento, mas pode-se dizer que proporcionam um início com menores riscos de traumas, tanto físicos quanto psicológicos.

Físicos, pois seu material mais macio reduz as chances de se machucar enquanto se acostuma com o manejo de um grande objeto em meio à instabilidade do mar na zona de arrebentação. E psicológicos também, visto que sua alta capacidade de boiar permite os primeiros avanços, como remar e ficar em pé, com mais facilidade.

Serve, portanto, para um surf totalmente descompromissado, para aprender ou para ir reto. Mas, a partir do momento em que o surfista deseja avançar para além disso, ela trará todas as barreiras de um design menos elaborado que impede qualquer evolução.

Softboard hipster

As softboards modernas de performance são pranchinhas de espuma que têm por trás um trabalho refinado de marketing, com grandes nomes do surf incentivando o uso, materiais de qualidade, design bem pensado dentro da proposta que trazem e visual artístico. São as antigas pranchas de mercado transformadas em um produto bem acabado e pensado para o surf de mais performance. Uma espécie de gourmetização das pranchas de espuma.

É o tosco chique que permite ao surfista comunicar, até mesmo ao mais desatento dos observadores, que aquela se trata de uma queda com objetivo de pura diversão. Tanto é que as marcas engajadas nestas pranchas apostam todo seu marketing em uma comunicação bem extrovertida. É a mais alta performance da baixa performance porque o surfista que entra no mar com uma destas mostra que está indo brincar. Isso significa que, o que quer que ele extraia daquele surf, estará indo muito bem.

Longboard

Não raro encaixadas no estigma da prancha de iniciante, de velho ou de mulher, o longboard tem superado preconceitos, todos injustos e infundados, a partir de um movimento de valorização baseada em um estilo mais low profile. Ainda que hoje o longboard seja percebido de forma mais cool dentro de um nicho, em grande escala o preconceito ainda persiste, muito em função do desconhecimento da técnica exigida nas manobras. Fato é que ele se estabeleceu como um estilo de surf alternativo que possui todo um universo em si mesmo.

A década de 90 foi responsável por mostrar que o surf nesse tipo de prancha é também cheio de possibilidades, em detrimento da ideia antiga de que a prancha trazia empecilhos ou uma só forma de surfar. É o único tipo de prancha que permite ao surfista caminhar sobre o equipamento. Em todas as pranchas você vai mexer os pés e colocar o corpo em diferentes posições para manobrar. Mas só o long traz o incrível footwork e as manobras de bico. Peculiaridades fascinantes que viciam.

É importante ainda lembrar que inclusive o estilo clássico, considerado mais purista e menos adepto a modernidades, é extremamente calcada na alta performance.

Expoentes dessa vertente, como Joel Tudor, Alex Knost, CJ Nelson, Kassia Meador, Belinda Baggs, entre outros, representam a alta performance do segmento. E se isso não fosse alta performance, todo longboarder surfaria no mesmo nível.

Cabe destacar que o equipamento não é limitante, mas sim possibilitador de uma forma completamente diferente de pegar onda. Diferente, mas não por isso menos técnico do que hoje é chamado high performance.

Próximo episódio: Parte 2

Este episódio foi a primeira parte do guia de informações sobre pranchas do podcast Surf de Mesa. O episódio que entrará no ar na quinta que vem, em 26 de novembro, trará informações também sobre monoquilhas e os mais variados tipos de biquilhas.

 

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