Este episódio do Surf de Mesa é a continuação do último, em que Junior Faria, Carolina Bridi e Raphael Tognini começaram uma longa conversa sobre como escolher sua prancha de surf entre tantos tipos diferentes. Buscando responder para que surfista, onda e objetivos cada prancha serve, a conversa se alongou e, nesta 2ª parte, eles continuam de onde pararam, falando sobre as ondas indicadas para os longs, clássicos e progressivos, e para as softboards modernas que estão no hype. Depois, falam sobre expectativas e realidade quando o assunto é monoquilha nas ondas brasileiras e seguem o assunto pelas biquilhas, passando pelos diversos modelos até chegar à realidade de alta performance que elas representam.

Se você quer se encontrar entre tantas opções de pranchas, dá o play e vem se informar pra ser feliz no surf:

Como escolher uma prancha

Vivemos um momento na história do surf que oferece uma variedade enorme de tipos de pranchas para surfar, mas existem dois condicionantes principais que acabam definindo o rumo da escolha: condição física e condição técnica do surfista.

Como base inicial para decidir qualquer coisa quando a ideia é pegar onda, o melhor a fazer é compreender qual sua verdadeira condição física e fazer de tudo para encontrar uma noção honesta sobre seu nível técnico.

O seu nível de evolução e seu objetivos podem mudar, e certamente mudam ao longo do tempo, mas esses dois parâmetros jamais perderão relevância. Por isso, vale voltar a se questionar sobre eles de tempos em tempos para continuar fazendo escolhas certas de equipamento.

É comum que cada surfista se encontre em um tipo de prancha. Mas a que funciona bem para cada um tem mais a ver com o que se enxerga para o próprio surf do que com qualquer outro motivo. Assim como os tipos de pranchas que as pessoas usam também estão muito relacionadas aos tipos de ondas que elas costumam ter por perto. Por exemplo: você está pensando em um longboard clássico, mas surfa com mais frequência em Maresias ou Copacabana. Pode até ser que funcione em alguns dias, mas é a prancha mais adequada para você se divertir normalmente naquele lugar? Não.

Dito isso, é importante esclarecer que a seguir trazemos uma visão ampla e mais genérica de compatibilidade entre tipos de pranchas e condições mais favoráveis.

Shaper x surfista

Quando se fala de algo tão subjetivo quanto se divertir, no surf inevitavelmente isso está ligado aos dois parâmetros preponderantes já citados: condições físicas e técnicas do surfista. Este é um ponto de partida real para conseguir decidir qual prancha usar. Mas não o único. Se você quer realmente a melhor prancha possível para se divertir ao máximo dentro desses dois parâmetros, tenha em mente que uma prancha sob medida vai atender todas as suas características de forma personalizada. E, nessa hora, você não precisa chegar com todas as respostas para o shaper. O que precisa é chegar com verdade, ou seja, honestidade sobre suas dificuldades e objetivos. O ideal é falar para o shaper o que você espera do seu surf.

As relações saudáveis entre shapers e surfistas acontecem quando cada um entende e desempenha sua função sem interferir na do outro. Os dois conversam e, juntos, geram o produto prancha para um objetivo em comum: o melhor surf possível.

Se os dois conseguirem conversar dentro das suas propostas, respeitando o conhecimento de cada um, certamente sairá o melhor resultado. E, nesse caso, é importante ao surfista entender que talvez a prancha que ele quer surfar não necessariamente é a melhor prancha para ele surfar no momento. Se for, felicidade instantânea. Mas talvez não seja, e tudo bem. É um processo. E não é interessante para o próprio surfista passar por cima disso.

A influência da onda

É  importante ainda ter em mente que a talvez a prancha que você quer surfar nunca será a ideal para o lugar onde você surfa. Essa é uma verdade inconveniente que, muitas vezes, é ignorada.

Conhecendo sua condição física e técnica, é hora de considerar a onda que você pretende surfar para compreender o que é possível a você fazer em um mar com aquelas características. No episódio passado, surgiu o exemplo de Torren Martyn surfando Nias de biquilha. Voltemos a ele. Você pode ver na tela e descobrir que aquilo é o que você quer do seu surf, mas esquece que Martyn está surfando Nias perfeito com uns cinco metros de parede em uma massa d´água empurrando a algo entre 30 e 45 quilômetros por hora.

https://vimeo.com/221674827

Quando a maioria das pessoas surfa ondas mexidas de meio metro que duram cinco segundos, não é possível surfar como Martyn não só porque você não é ele, mas também porque você não tem uma onda como a que ele está surfando.

E, assim, adentramos às monoquilhas.

Monoquilha

Todo o imaginário do surfista brasileiro sobre monoquilhas foi construído a partir de imagens feitas fora do Brasil. Na época em que elas reinaram, o Brasil produzia poucas imagens de surf. Então, o que vemos nos filmes da década de 70 são point breaks longos, perfeitos, com surfistas correndo a onda cheios de prazer. E quando há essa condição, monoquilhas são mágicas. Mas a onda do dia a dia na maior parte do Brasil não é assim. O que temos, portanto, é uma lacuna entre expectativa e realidade quando idealizamos surfar com uma monoquilha por aqui.

Se você tem em mente uma monoquilha shortboard, seja ela retrô ou mais moderna, é importante considerar que se trata de uma prancha específica. São poucos os lugares em que é possível surfar como mostram os filmes da década de 70.

Original x retrô

Cabe  fazer uma diferenciação fundamental entre surfar com uma monoquilha original da década de 70 e com fabricada nos dias atuais.

As retrôs carregam a estética, mas são construídas com materiais modernos, tecnologia atual e desenho totalmente influenciado pelo avanço de design adquirido. Na original, a prancha é muito mais pesada, o fundo é menos elaborado e a quilha mais rústica. Nesse caso, as originais são muito mais difíceis de serem usadas nas ondas brasileiras. Enquanto as retrôs se tornam mais viáveis por aqui em função de suas características modernas, seja em relação a material, tecnologia ou escolhas do shaper na adaptação do design, tanto por vontade própria quanto por um possível desconhecimento sobre o design original da década de 70. Isso, naturalmente, faz com que a prancha ande um pouco melhor.

As retrôs são pranchas feitas com conceitos adquiridos depois daquele período, mas que buscam manter aquela mesma estética.

Ela está sofrendo influências inevitáveis do tempo em que está sendo produzida. É legal surfar com uma original? Como experiência, certo que é. Mas também é muito difícil. Por isso, vale admirar ainda mais a galera que pegava ondas desafiadoras nas décadas de 60 e 70. A monoquilha, portanto, é para quem já tem um bom nível de surf e está querendo experimentar. Mas, precisamos avisar: Para encarar uma monoquilha, esteja aberto, inclusive, ao fracasso.

Long clássico

O longboard clássico (obrigatoriamente monoquilha) é uma ótima prancha para ondas pequenas. Não porque só funcionam nelas, mas porque principalmente nessas condições proporcionam um surf muito mais divertido do que outros tipos de pranchas. Aqui, portanto, cabe lembrar que a ideia de que cada tipo de prancha está sempre ligado a um determinado tipo de onda pode ser questionável porque tudo depende do surfista.

Alguns curtem um só tipo de prancha e se especializam nela por questões pessoais de como enxergam o surf, ou por outras questões quaisquer. A realidade inquestionável, porém, é que a prancha deve ser um instrumento para facilitar o ato de pegar onda.

Quanto mais onda você pegar, melhor, certo? Então, a melhor prancha é sempre a que te coloca em mais ondas e, consequentemente, te faz surfar mais.

Se o objetivo é um surf mais tranquilo, com uma remada muito fácil e um deslizar sem muita preocupação, esta é a prancha indicada. Mesmo a versão ultra high performance do clássico encontra na ondinha gorda, suave e sem muita arrebentação a perfeição para um surf tranquilo. Entre a galera do Surf de Mesa, acabou sendo unanimidade a escolha de ondas de até um metro para curtir o long clássico com controle e diversão. Mas, obviamente, também é uma questão de escolha.

Long progressivo

Já o longboard progressivo depende muito da destreza do surfista. Bonga Perkins, por exemplo, pegava Backdoor e Pipeline com um destes. Também Phil Rajzman em The Box no filme Surf Adventures, ou qualquer mar que apareça, é um exemplo. Tenha em mente que o long progressivo é uma grande prancha desenhada para obter performance em manobras mais radicais em qualquer onda, caso o surfista esteja preparado. Vai do apetite e da habilidade. Ele dá mais remada, geralmente, mas também dificulta para passar a arrebentação. Isso significa que a onda em que ela vai funcionar melhor depende muito das capacidades do próprio surfista.

Softboard moderna

As softboards modernas, que têm ganhado um status cool, também dependem muito da habilidade do surfista. Devido ao material resistente, tem gente levando para situações extremas de ondas cavadas que quebram na areia. É o caso da galera que tem surfado Keiki, no Hawaii, por exemplo. A realidade é que estas pranchas podem ser colocadas em condições em que outras pranchas quebrariam com facilidade. Portanto, ela vai no limite da imaginação e da despretensão do surfista. Nesse caso, qualquer mar é possível se você tiver condições físicas para dar conta.

A brincadeira das novas softboards é extrapolar o limite usando uma prancha experimental da qual não se espera alta performance. É para se divertir em qualquer onda, desde que a intenção seja brincar de testar seus próprios limites. Como cada surfista está em um nível, o conceito de limite se torna extremamente variável.

Biquilhas

A primeira biquilha surgiu na década de 50, com Bob Simmons, californiano que trabalhava com tecnologia de embarcação e que entendia tanto de hidrodinâmica que contribuía com a Marinha dos EUA. Considerado excêntrico e de poucos amigos, era visto como maluco em função das pranchas que construía e do jeito como surfava. Somente bem mais tarde foi percebido que o que ele estava fazendo já nos anos 50 era coisa de gênio. Uma dessas inovações revolucionárias foi colocar duas quilhas em uma prancha. Na época em que as pranchas ainda eram feitas de madeira maciça, ele ousou acrescentar mais uma quilha, fez pranchas com menos de 9 pés, colocou rocker, foi um dos primeiros a usar espuma de poliuretano e fibra de vidro. Além de revolucionar o design, revolucionou também o uso de materiais.

Mas somente bem mais tarde, já na década de 60, quando o kneeboarder e shaper Steve Lis criou o modelo fish (com objetivo de surfar de joelhos), se viu duas quilhas novamente em uma prancha. E foi nos anos 70 que as biquilhas realmente surgiram como sinônimo de evolução do design para avanço na performance do surfista. Foi quando Mark Richards trouxe as biquilhas para as competições mundiais, fazendo-as destacaram-se como pranchas da mais alta performance.

Quando se trata de biquilhas, portanto, falamos de pranchas com uma variedade muito grande de outlines e propósitos.

Fish

Esse modelo é tão importante na história das pranchas que já ganhou um episódio inteiro do Surf de Mesa só para ela, contando história, características e tudo mais em detalhes. Por isso, vamos passar muito rapidamente por ela aqui e, para quem quer se aprofundar, sugerimos revisitar o episódio 65 para entender o que é e para que serve a autêntica fish. Contudo, cabe aqui destacar que nem toda biquilha swallow é uma fish. Trata-se de uma prancha com características bem específicas, e, assim como uma monoquilha original, também não é uma prancha para usar em todos os lugares, menos ainda em mares de meio metro mexido gordo e irregular.

Mini simmons

A mini simmons, apesar de ser uma prancha curta, geralmente de 5 pés ou pouco mais, é uma prancha larga. Tanto é que, no Brasil, são fabricadas geralmente com blocos de fun ou de longboards. A largura, a flutuação e a praticidade para transportar tornam uma opção atrativa em possibilidades. Trata-se de um modelo que surgiu no início dos anos 2000, muito influenciada pelo californiano Richard Kenvin. Super interessado pela história do surf, ele desenvolveu um projeto chamado Hidrodinâmica, buscando resgatar alguns modelos clássicos de pranchas da Califórnia que realmente avançaram o design e fizeram o surf evoluir em função dos elementos revolucionários que apresentavam.

Uma das pranchas foi o modelo que ele batizou como mini simmons, justamente por ser uma releitura da prancha original criada por Bob Simmons na década de 50. A principal diferença foi adaptação do comprimento da prancha. A mini tem quase metade do comprimento da original. O fundo, tanto da simmons original quanto da mini simmons, é inspirado no catamarã e outros barcos que Bob Simmons via na Marinha, e acaba funcionando melhor nas ondas brasileiras do que uma fish, por exemplo.

Trata-se de uma prancha que reúne conceitos que fazem sentido principalmente para quem busca remar melhor em uma prancha pequena e deseja uma biquilha menos arisca. Além de ter um forte apelo visual, quem pega uma mini na mão sente uma prancha pequena e leve. A praticidade fica por conta do volume grande e largura por todo o comprimento, oferecendo uma plataforma estável. É uma prancha que funciona muito bem em diversos aspectos, boa para ondas gordas, mas ainda aguenta bem em ondas mais em pé de até um metro.

Biquilha performance

A maioria das biquilhas que temos no imaginário hoje são inspiradas nas biquilhas do campeão mundial Mark Richards. Ele fazia as pranchas muito mais curtas, de rabeta mais estreita com um pequeno swallow. Era um desenho realmente revolucionário que atingiu a altíssima performance da época, causando grande impacto nos surfistas da década de 70.

Mas mesmo nessa época, quando as biquilhas surgiram como alternativa de um surf de altíssima performance, em mares maiores a monoquilha ainda predominava, e nem todos adotaram as bi no circuito. Não houve, portanto, uma ruptura entre um tipo e outro de equipamento. Tudo se intercalou, com monos e biquilhas sendo usadas ao mesmo tempo durante um longo período, mesmo nas competições.

Mesmo que as biquilas de hoje sejam muito inspiradas no que Mark Richards desenvolveu, as originais das décadas de 70 até 80 são muito diferentes das atuais, especialmente em relação ao foil das bordas e ao fundo. Trazendo para a atualidade, fala-se muito que as triquilhas de hoje na verdade são desenvolvidas como biquilhas, mas com uma quilha atrás.

Alta performance

Em uma visão simplista, monoquilha é direção (te direciona) e biquilha é drive (cria velocidade). Tudo que houve antes de surgirem as biquilhas é hoje considerado obsoleto em relação a alta performance.

Ou seja, é perfeitamente possível surfar com altíssima performance com a biquilha e a triquilha na mesma condição, fazendo as mesmas coisas com ambas, dependendo apenas da habilidade do surfista.

De 2010 para frente, quando o movimento retrô estava um pouco mais estabelecido, alguns competidores do circuito mundial começaram a olhar para a biquilha de uma forma diferente. Vale se questionar se hoje, com o conhecimento e segurança adquiridos com a triquilha em questões de consciência corporal, não seria possível ir ainda além na performance usando somente as biquilhas. Uma teoria que talvez se confirme quando observadas as quadriquilhas, que têm o mesmo conceito das bi, mas com um pouco mais de estabilidade.

Neste ano de 2020 as quadri já estão estabelecidas como pranchas melhores que triquilhas em tubos e ondas gigantes, por exemplo. Claro que isso pode variar de acordo com os parâmetros individuais de cada surfista. Mas a quadriquilha é considerada um modelo completamente viável não como alternativa, mas como algo superior.

O paradigma da triquilha

Da década de 70 até agora, todos esses setups de quilhas podem funcionar como um equipamento de altíssimo desempenho. A triquilha só é estabelecida como o parâmetro de alta performance porque os 34 surfistas do CT usam o tempo todo. Se considerar performance por performance, a quadri, a tri e a biquilha estão no mesmo nível. Só não são mais amplamente aceitas por questão de amostragem no CT.

A triquilha talvez tenha ganhado o status de predominância porque resolveu um problema de derrapagem nas curvas que as biquilhas ainda não resolviam nos anos 70 e 80. Com o passar do tempo, contudo, isso foi resolvido com fundo, material, rocker, enfim, com avanços de design e tecnologia.

Nesse caso, a hegemonia da triquilha na alta performance é apenas um paradigma.

É importante destacar ainda que o uso da triquilha também é uma solução fácil para problemas de uma biquilha feita por shaper sem conhecimentos suficientes de hidrodinâmica para aplicar o design completo de uma boa biquilha de alta performance.

Conceito de performance

Prancha de alta performance faz curta em alta velocidade com controle. São coisas possíveis e identificáveis por milímetros. Durante uma rasgada radical, por exemplo, duas quilhas costumam ficar fora d´água, assim como quase toda a prancha. Ou seja, no momento mais radical da manobra a quilha central não tem função. Quem atua é a quilha lateral, o edge e o resto da prancha. Nesse caso, a biquilha tem os dois elementos que entram em ação no momento crucial de alta performance.

A quilha central, ou seja, a triquilha, atua quando a prancha está chapada. Mas o surf de alta performance não se faz nesse momento, e sim em cima da borda o tempo inteiro. O desafio, na verdade, é controlar a biquilha.

A partir do momento em que você tem técnica suficiente e uma prancha desenvolvida para sua técnica, se você conseguir controlar a biquilha, você surfa muito mais rápido e, consequentemente, tem mais performance. E surf de performance é isso. Andar rápido. Você sempre vai querer andar mais rápido para conseguir fazer mais em cada onda. Seja lá qual for seu tipo de prancha.

Agora um desafio

Procure os filmes de surf que você mais curte e que mais inspiram o surf que você deseja fazer. Desta vez, assista concentrando sua atenção na onda, e não na prancha ou no surfista. Pare de olhar o tipo de prancha que está sendo surfada e olhe só para o tipo de onda. Analise a onda, tamanho, formação, etc. 

É incrível ver Michael Peterson surfando Kirra em Morning of the Earth. Mas o feeling que você pode estar querendo buscar tem muito mais a ver com Kirra perfeito do que com uma monoquilha. alguém se pendurando no bico em Malibu ou em Noosa durante 30 segundos tem a ver com o que a onda oferece. E a maioria das ondas no Brasil dura entre 10 a 15 segundos, no máximo. Então, não se frustre. Seja feliz com seu surf!

 

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