Completamos um ano desde que foi diagnosticado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. Jamais imaginávamos que 12 meses depois estaríamos vivendo o pior momento da pandemia no país. Este foi um ano de incertezas gigantes que ainda se aprofundam conforme os rumos se mostram cada vez mais embaralhados em um contexto incapaz de prover o mínimo de direção na gestão da crise sanitária que se transformou na maior crise generalizada em muitas e muitas gerações.

As incertezas atingem todas as camadas e grupos em maior ou menor escala. E as diferentes formas como elas estão se refletindo no surf é o que Junior Faria, Carol Bridi e Rapha Tognini se dedicam a decifrar nesse episódio do Surf de Mesa.

Descolamento de realidades

Em determinado momento de 2020, percebemos que as distâncias de realidades no surf se aprofundaram no contexto da pandemia. Enquanto a maioria estava longe das ondas, isolada em casa, outros pegavam altas em algum paraíso acessível a uma minoria. Quase um ano depois dessa percepção, a sensação é de que ela não só permaneceu, como aumentou. Há um distanciamento cada vez maior entre a maioria dos surfistas e suas referências. Mas não só entre fãs e ídolos. Também entre os surfistas profissionais é cada vez menor o grupo que consegue se manter da forma como o surfista profissional sempre se manteve – viajando atrás das melhores ondas e se dedicando exclusivamente ao surf.

Vivemos um momento de aprofundamento no descolamento de realidades na sociedade em geral. E perceber esse reflexo no surf só o reforça como algo que se estabeleceu como cultura massificada. Se antes os surfistas se encaixavam em um padrão médio de comportamento é porque, restritos a uma amostragem menor, consequentemente, tinham características gerais mais coesas. Ainda hoje há um desmonte do estereótipo padrão, mas, já há um bom tempo, todas as camadas comportamentais estão presentes no surf, promovendo um cenário muito mais complexo culturalmente e de representatividade comportamental mais ampla.

Parâmetros em stand by

Este último ano foi marcado pela perda dos referenciais de normalidade, mas principalmente perda de referência do meio-termo. Os parâmetros que tínhamos como delineadores de realidades possíveis se perderam.

Depois de muito tempo, o surf parece ter voltado a existir em função de si só. Sem campeonato, o movimento que alimenta o público admirador de ídolos esfria. A indústria de surfwear, que já estava em queda, com as restrições do mercado está ainda mais em baixa. A cena agora está predominantemente movimentada pela atividade em si. Agora, tudo está girando em torno exclusivamente do surf real, sem idealismo. Com tantas referências externas, já estávamos desacostumamos a ser pautados pelo surf do dia a dia.

A questão agora é: como nos relacionamos com algo que já não tem mais interesses gerais preestabelecidos?

Agenda de interesses

Por hora, o que temos são parâmetros em suspenso. Não se pode dizer que os parâmetros mudaram simplesmente porque ainda não há o estabelecimento de nova regra padrão. Se antes existia a sensação de que os surfistas, de certa forma, buscavam as mesma coisas, a sensação agora é de que os objetivos se estratificaram.

Campeonatos, surf trips, consumo e performance ideal. Se antes essa era a agenda que guiava o surfista médio, direcionando ao que, em tese, deveria interessar a ele, a ausência de um calendário claro a almejar se esvaziou a ponto de bagunçar sua zona de conforto.

O que se faz com o surf se não há campeonato para assistir e comentar com os amigos? Se a surf trip dos sonhos está fora de cogitação e se você precisa se relacionar com o surf de uma forma menos idealista? A partir de um certo vácuo de referências, o que se espera agora de um “verdadeiro surfista” (seja lá o que isso quer dizer)? O que devemos gostar de ver e saber sobre o surf atualmente? Qual o tipo de atitude se espera agora do seu eu surfista?

Sem saber exatamente para onde, a partir de então, deve olhar, o surfista foi catapultado a, consciente ou inconscientemente, encontrar o que realmente importa para si individualmente no surf e não mais necessariamente como parte de uma comunidade a qual pressiona a si mesmo a se encaixar. Neste período, talvez estejamos reaprendendo a nos relacionar com o surf de uma maneira diferente daquela que aprendermos como “certo” durante uma vida inteira. Quando a agenda de interesses que se atribuía ao estereótipo do surfista padrão desaparece, cada um precisa encontrar o que realmente lhe convêm. E isso é bem interessante. Tanto individualmente quanto coletivamente.

 

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