Este é, sem sombra de dúvidas, o episódio mais jovem do Surf de Mesa. Se você já ouve todos os episódios, sinta-se surpreso com a voz de Raphael Tognini aos 18 anos. Ou agraciado com o violino esganiçado na já famosa voz de adolescente que tem o Junior Faria. Ou ainda com os acessos de riso descontrolados de uma Carolina Bridi tal qual quando era uma 9vinha.

Sim, caros amigos! Os primeiros 10 minutos desse episódio foram plenamente dedicados ao que a juventude faz de melhor: não se preocupar com nada. Tudo isso para depois tentar entender melhor a relação tão intrincada entre o surf e a juventude.

Manter uma certa jovialidade é fundamental para continuar sendo um surfista operante. Por outro lado, a linha tênue entre juventude e infantilidade pode tornar essa medida um tanto quanto confusa ou frustrante em muitas outras searas da vida. Seria esta, então, uma relação fadada à contradição? Ou há formas saudáveis de balancear, tornando o surf, quando bem usado já nas idades mais avançadas, um poderoso, ainda que bastante instável e de difícil manejo, instrumento de equilíbrio?

Síndrome de Peter Pan

O surf como prática física e mental proporciona condições para que seus praticantes acessem um estado de espírito que remete facilmente às despreocupações características das idades mais tenras. Mas, logo ao lado, coladinho mesmo, mora uma armadilha chamada Síndrome de Peter Pan, termo cunhado em 1983 pelo psicólogo Daniel Kiley. Bem simplificadamente, é o comportamento caracterizado por uma recusa ao amadurecimento, o que, consequentemente, leva a uma série de frustrações na inevitável fase adulta.

Qualquer pessoa que passa pela infância e adolescência praticando um esporte que envolve tanto seu bem-estar e suas relações sociais, tendo praticamente todo o tempo disponível da vida quase exclusivamente para isso (passar o dia na praia sem se preocupar com muita coisa), jamais vai conseguir reviver a mesma sensação anos mais tarde.

Existe um momento em que você é quase livre de responsabilidades e pode aproveitar um esporte que demanda muito do seu tempo e energia em um contexto em que quem manda é a natureza. São demandas que ocupam a vida de tal forma que em determinado momento se tornam impossíveis de serem atendidas da mesma forma.

A vontade de experimentar aquela sensação se mantém impregnada no surfista ao longo do tempo. O que muda são as fontes de demandas naturais ao processo de amadurecimento pessoal. São as fases da vida. Resta saber, para quem começou a surfar cedo, até que ponto, quando na fase adulta, se está tentando manter de forma saudável o espírito mental proporcionado pela sensação de uma época passada, ou negando, definitivamente, a vida adulta.

Entre extremos

Em dois extremos, existe o surfista que abandona a prática ao eliminar da sua vida o estado mental de se permitir escapes essenciais a uma vida saudável, e existe aquele que se agarra a uma condição do passado, não se abre a novos interesses, adaptações e formas de preencher o sentido da vida, sofrendo consequências frustrantes para os padrões de uma vida em sociedade. O que precisa e deve ser encontrado no surf durante a vida adulta é o ponto de equilíbrio entre estas duas pontas. É, talvez, o que a maioria nós tem buscado encontrar, consciente ou inconscientemente.

Assim, talvez, os surfistas que começam a surfar com idades mais avançadas, ainda que experimentem todas as barreiras estabelecidas pela fase de aprendizado, sejam mais capazes de se satisfazer plenamente com o surf na vida adulta. Isso porque adicionaram uma espécie de oásis da jovialidade a uma realidade que desconhece aquela vivência quase exclusiva do surf na adolescência, por exemplo. Ou seja, partindo do desconhecimento da outra condição, são capazes de acessar felicidade com menos tempo disponível e condições perfeitas de prática do que o surfista adulto já experiente e de nível avançado que guarda na memória uma sensação impossível de ser retomada em função do irretratável do fator tempo, que jamais anda para trás.

Surfistas que começam a surfar já na fase adulta seriam, então, mais felizes do que os surfistas que surfaram uma vida inteira?

Surf na vida adulta

A juventude no surf não está necessariamente ligada ao vigor físico. Quem, na vida adulta, associar o sentimento de juventude e satisfação surfística exclusivamente ao vigor e à performance, mais cedo ou mais tarde estará fadado ao fracasso. O processo que envolve a relação do ser humano com o surf traz fatores positivos a todas as fases. Não é porque não existe mais uma suposta invencibilidade energética que não existem compensações. Em certos aspectos você pode se sentir mais fraco, mas em outros carrega mais experiência. Ou seja, se você vai se sentir pior de um lado, vai se sentir melhor em outros. Depois que passou do platô do vigor físico (em tese, próximo aos 30 anos), existem conhecimentos que só vêm a partir da experiência. Certas coisas são cumulativas e não se esgotam.

Talvez aí resida a chave da juventude surfística: estar aberto a descobrir.

E, sendo a descoberta o fator mais viciante do surf como prática por si só, chegamos ao exato ponto onde é possível, em qualquer idade, sentir a juventude brisando na cara junto com o vento que sopra do horizonte pra costa enquanto você espera vir a melhor da série.  Pare e pense: surf é descoberta. A busca da onda perfeita, estrear a prancha nova, surfar em uma onda nova. A juventude como base do surf reside, então, na capacidade de manter em si a visão de descoberta e adaptação constantes.

Conceito de juventude

Ficar velho no surf não acontece quando você percebe que perdeu remada ou já não aguenta a volta da manobra como antes. É quando você olha para o mar e puxa na mente uma condição passada inacessível que estraga a descoberta presente. Se você tem 15 ou 20 anos e está preso ao ideal do aéreo mais bizarro como única e exclusiva fonte da sua realização, pode estar fadado ao fracasso e decepção no surf, seja no futuro ou na queda de hoje mesmo.

O ciclo de busca e recompensa talvez seja o ponto mais delicado dessa relação. Surf, como citado, é descoberta. Se o ciclo de busca e recompensa se torna viciado e impede a autonomia mental do surfista em relação ao seu surf, é provável que, quando ele não conseguir mais atingir a expectativa viciada, haverá frustração e inviabilidade de visão do que realmente se almeja com a prática. Talvez seja nesse momento em que se descambe para um extremo ou outro: de um lado, o adulto infantilizado e, do outro, o adulto castrado.

A velhice no surf seria, então, a incapacidade de enxergar novas e diferentes formas de se realizar, priorizando sempre a repetição de uma forma primitiva que foi conhecida em algum contexto que não existe mais.

A pessoa jamais conseguirá suprir a necessidade de surf se não amadurecer junto com ela. Talvez essa seja, inclusive, a melhor definição para o famoso surfão. É um viciado que, por não conseguir acessar o estado mental provocado por determinada forma de uso do surf, se torna incapaz de enxergar outras formas de realização e satisfação em algo que é mutável por essência.

Jovem de novo

O surf é, inegavelmente, um link com a juventude individual. O surfista está dentro do mar, talvez o único lugar onde qualquer um se vê desligado do tempo-espaço da vida humana. Justamente por ser incontrolável e maior do que tudo, as características do mar são hoje as mesmas da década de 60 ou da pré-história. Ali dentro, é possível perder a noção do tempo que passou.

Ali dentro, o tempo-espaço desaparece, e é você de novo buscando lidar com o mesmo ambiente instável, porém reconhecível desde sempre. É o único lugar onde nada mudou com o passar do tempo.

Se o ser humano é uma máquina baseada em reconhecer padrões, e o mar mantém o mesmo padrão há milênios – das ondas quebrando com base em uma mesma mecânica natural -, é perfeitamente compreensível o bug mental causado pela sensação de estar na água surfando. Mais ou menos assim: “O horizonte é o mesmo, e eu estou aqui onde nada mudou. Estou em mim. Sou eu. Sou jovem de novo.”

 

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Montagem feita com fotos de Cryode Bay e Wassim Chouak Unsplash