Texto: Carolina Bridi | Foto do surfista: drobotdean | Arte: Raphael Tognini
Você já deve ter ouvido falar em uma pesquisa que mostrou, em 2017, que mais da metade dos brasileiros achava que o Facebook era a própria internet. Observando mais de perto o mundo surfístico, vale se perguntar se um processo mais ou menos parecido pode estar acontecendo também no surf. Estaria a WSL, na visão de muitos surfistas, sendo confundida com o próprio surf?
A dúvida ocorreu por aqui depois do fiasquento evento Onda do Bem, realizado pela WSL no dia 18 setembro. Não faltam motivos para perceber que as escolhas para a realização do evento foram, no mínimo, mal calculadas. Mas o que chamou mais atenção foi a reação de surpresa generalizada que tomou conta das vielas da internet nos dias seguintes à sua realização. É natural que, para muita gente, aquele tenha sido o primeiro momento de questionar as motivações que estão por trás das estratégias e decisões tomadas pela WSL, uma empresa privada de mídia e entretenimento que tem no esporte seu objeto.
Para a maioria do público que acompanha os campeonatos de surf, é possível que a natureza do negócio tenha passado despercebida desde que o bilionário americano Dirk Ziff surgiu no contexto, transformando a antiga Association of Surfing Professionals (ASP) em World Surf League (WSL). Pouca gente se deu conta de que a mudança de sujeito dentro da sigla ia bem além da concordância verbal. Se antes falávamos de uma associação de surfistas profissionais, a partir de então falamos em liga de surf mundial. A semântica envolvida em tirar o sujeito da frase do plural para colocá-lo no singular é maior do que pode parecer. E talvez aí esteja a dificuldade de quem não consegue dissociar o surf em si da entidade com fins lucrativos que realiza suas competições mundiais.
Um recado claro
Ainda que no início do ano o anúncio de Erik Logan como CEO da empresa tenha dado o recado com todas as letras, é natural que a maioria dos fãs do surf competição não tenha percebido que a mensagem está mais clara do que preferem enxergar. A substituição de Sophie Goldschmidt, uma ex-tenista profissional que já havia passado por experiências nos bastidores do esporte, incluindo a diretoria da NBA, principal liga de basquete do mundo, pelo até então presidente de mídia e conteúdo da WSL que vinha de experiências de direção nas empresas da apresentadora americana Oprah Winfrey, não deixou dúvidas: se a ASP era uma associação de esporte, a WSL é uma empresa de mídia e entretenimento.
Tudo bem que as declarações claras que foram dadas quando houve a troca de CEO, em janeiro desse ano, podem ter ficado em banho-maria diante do estupor que tomou conta do mundo diante do apocalíptico desenrolar de um 2020 que, àquela altura, estava só começando. E que a Onda do Bem de setembro possa ter sido o caldo que todos estavam precisando para sair do transe. Mas quando até quem vive e conhece a fundo os meandros do mercado resolve se mostrar surpreso com o resultado de um evento como esse, é porque o transe parece ter sido mais profundo do que se supunha.
Qual a surpresa?
Se desde o anúncio estava claro que não se tratava de uma competição séria de surf, qual foi a surpresa? Ainda que possa ter ficado oculta a intenção de fazer a entrega anual para o patrocinador da etapa brasileira do circuito, conhecida por ser a que mais reúne fãs na praia, em nenhum momento a WSL ocultou o caráter descompromissado de um show voltado única e exclusivamente ao objetivo de entreter. Se atrair audiência na areia estava fora de cogitação e a insensibilidade de realizar um evento em tempos tão estranhos seria resolvida com o viés beneficente, a escolha por reunir surfistas profissionais com celebridades foi a saída encontrada para tentar alavancar o alcance nos canais possíveis – transmissão nas plataformas digitais e TV a cabo.
Nesse sentido, o que surpreendeu mesmo não foi a ausência de surf de qualidade (afinal, nem os pros conseguiriam performar como de costume diante das inconveniências do led na hidrodinâmica das pranchas). A grande surpresa foi perceber que, como empresa de mídia que é, a WSL não cumpriu sua missão. Pelo menos nas plataformas digitais, o alcance não aumentou em função da presença de celebridades. E talvez pelo baixo apelo das celebridades convidadas, o barulho também não foi suficiente para atingir um público de massa.
A ausência que ninguém mencionou
Em resumo, a surpresa não foi a WSL ter falhado com o surf. Isso não é novidade desde o rebatismo da antiga ASP. A surpresa foi a WSL falhar com a própria WSL. Nesse sentido, para os surfistas profissionais e o surf em si, aquele foi apenas um pequeno mico. Para a WSL, que pode estar aproveitando os eventos paliativos de 2020 para testar formatos, pode ter representado uma âncora capaz de afundar as esperanças de tornar a transmissão de surf um negócio verdadeiramente lucrativo. Nem com celebridades em um país ávido por tietar ídolos como é o Brasil, o alcance decolou.
Mas, no final das contas, a pergunta que ninguém fez e que a gente adoraria saber a resposta é: onde estava Gabriel Medina? Difícil imaginar que não tenha sido convidado. Teria, então, apenas cagado baldes para sua “empregadora” ao recusar um suposto convite? Compreensivo, visto que o faro inquestionável para estratégias midiáticas da equipe que orbita ao seu redor deve ter percebido a tempo que aquilo tinha tudo para dar errado. E, no final das contas, não é de espantar que, talvez, Gabriel Medina esteja para o surf como o Facebook está para a internet na visão da maioria dos brasileiros.
Em tempo: O podcast Surf de Mesa não economiza nas críticas à WSL desde sua estreia, em janeiro de 2019. Mas dessa vez, realmente achamos que o tempo gasto criticando APENAS o malsucedido circo de setembro teria sido melhor aproveitado surfando. Não que uma coisa impeça a outra. Rir está liberado, mas ficar bravo SÓ com a Onda do Bem pode ser inútil.
Agora dê o play nesse episódio, pegue seu dispositivo, mire para você mesmo, tire uma selfie e marque a @flamboiar, que é tipo mídia de surf, só que mais legal 😜
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