O que é mais importante para você: O ato de surfar em si ou representar o personagem surfista? O episódio de hoje do Surf de Mesa começa com essa pergunta que parece muito simples de ser respondida, mas que, levada aos limites da sinceridade, requer uma profunda e honesta reflexão pessoal.
O que cada um de nós está realmente buscando no surf? Ser ou parecer um surfista? Ou os dois? A questão vai se tornando mais complexa na medida em que, buscando a resposta, surge a impossibilidade de separar completamente uma coisa da outra. São raras, senão inexistentes, as pessoas que só querem surfar sem expectativa de reconhecimento. Assim como ninguém consegue representar sem se expor minimamente ao ato de ao menos tentar surfar.
Quantas vezes você já julgou alguém como poser e sentiu que, lá no fundo, surfista mesmo, era você? Lamentamos dizer que, quando isso aconteceu, você estava justamente considerando o seu papel de surfista mais legítimo que o dele. E a razão, nesse caso, é totalmente questionável porque surfar é uma prática de verdades relativas e subjetivas.
Sim, tudo depende da personalidade de cada um e do quanto a firmeza do “eu próprio” é capaz de sustentar comportamentos autênticos completamente desvinculados da expectativa relacionada à própria imagem. Mas, por mais seguro que o sujeito seja do seu surf, quanto ele consegue de fato surfar sem a pressão para se encaixar nas referências culturais, reais ou imaginárias, que ditam o estereótipo do surfista padrão, é a grande incógnita.
Se você curte encarar as próprias ideias, entre com Junior Faria, Carolina Bridi e Raphael Tognini nessa conversa sem respostas certas e erradas:
Parecer ser
É normal no meio do esporte, e diríamos, na vida, que as pessoas tenham o anseio de parecerem ser antes de realmente serem. Isso acontece tanto pela necessidade humana de aceitação quanto pela crescente pressão por imagem. No surf, uma atividade altamente vinculada a ideais de liberdade, mas completamente imersa nas consequências de uma cultura comercial, essa pressão é praticamente onipresente e pode atingir níveis psicologicamente torturantes. E o que era para ser prazer, facilmente pode se tornar peso e frustração em maior ou menos grau.
Isso porque a insegurança intrínseca do ser humano surfístico não se restringe ao iniciante. Não raro, evolui junto com a própria prática.
Isso significa que insegurança relacionada à imagem é realidade inclusive para os melhores surfistas. Um exemplo clássico é a diferença de percepção de performance sofrida por um surfista profissional quando ele deixa de ter um adesivo no bico da prancha. Esta alteração de percepção, em muitos casos, é sentida tanto por quem assiste quanto por quem surfa. Não porque o nível técnico mudou do dia para a noite, mas pelo fator psicológico. Autoconfiança reflete também na performance.
Isso justifica, por exemplo, a quantidade de atletas que colam adesivo no bico sem de fato serem patrocinados. Encher a prancha de adesivos sem ganhar nada pelo serviço de divulgação é um sintoma clássico da necessidade de autoafirmação. A realidade é que adesivos ou marcas são amplamente usados por quem quer parecer um surfista melhor. Seja ele profissional ou não.
O medo do retrocesso
Tirar um adesivo da prancha (no caso dos profissionais) ou ter medo de descobrir que perdeu a prática depois de tempos sem entrar no mar (no caso dos recreativos) remetem ainda ao medo do retrocesso. E são estes medos, justamente, que influenciam na parte principal da história: o ato de surfar.
Tudo que te afasta do teu objetivo fim precisa ser revisto.
A realidade é que as simbologias são muito significativas no surf. John John Florence, por exemplo, está com o bico branco há algum tempo, e já houve quem cogitasse que esse simples detalhe fizesse parecer com que ele estivesse surfando pior. Se é o vínculo com a excelência dos melhores surfistas do mundo que realmente tornam as marcas de surf admiradas e verdadeiramente desejadas, como essa ideia se aplica até mesmo ao caso de um dos melhores surfistas do mundo?
Ocorre porque, realisticamente, se desvincular de um patrocinador talvez seja a expressão mais palpável do temido movimento de descida na escadinha do que se supõe ser o sucesso no surf. É preciso, portanto, lembrar que a marca é que está sendo validada pelo surfista, e não o contrário. Tendo isso sempre em mente, talvez qualquer surfista no mundo se sinta mais livre na hora de definir o que o faz sentir verdadeiramente mais ou menos surfista.
A vaidade do surfista
Surfistas são vaidosos. É também essa vaidade que move o sentimento de espelhamento que resulta no intenso desejo de consumo por esta ou aquela marca. Surfar com uma sunga de 10 reais ou com um boardshort de 500 não vai mudar a habilidade que você tem sobre uma prancha.
Estamos falando em refletir seu próprio valor através da imagem que aquele símbolo representa.
São raros os surfistas que conseguem perceber uma real diferença de desempenho em equipamentos ou roupas com mais ou menos tecnologia – onde o marketing costuma apostar suas fichas para convencer o surfista médio a pagar pelo valor agregado da sua marca.
Aí entra o fator psicológico. Se armar de ferramentas pode te fazer sentir “um surfista de verdade” (seja lá o que isso signifique para você), refletindo diretamente na autoconfiança. Você não paga 500 reais por uma bermuda. Você paga 500 reais pela confiança que aquele pedaço de pano confere ao seu ego, o qual, por sua vez, pode sim operar milagres na sua abertura mental para conquista de novas habilidades.
É impossível não ser influenciado
Mas, convenhamos… A não ser que você more numa praia deserta e faça sua prancha do tronco de uma árvore, não existe a menor chance de passar ileso aos apelos da influência.
Pense numa roupa de borracha, por exemplo. Ela carrega, no imaginário mais puro de toda criança surfística interna, a aura do traje de um super herói. Ao fator psicológico de estar literalmente se sentindo vestido como um surfista, soma-se ainda o orgulho do comprometimento que representa a disposição de surfar em condições nada confortáveis. Estes são os fatores virtuais relacionados à confiança. Por outro lado, existem os fatores reais, também relacionados a conforto e confiança, que refletem direta ou indiretamente na performance. Para continuar no exemplo da roupa de borracha, ela é responsável pela sensação física concreta que torna viável surfar em águas frias ou geladas.
Existem, portanto, camadas reais de comprometimento e camadas virtuais que orbitam apenas a mente humana. E são essas nuances sobrepostas que tornam o ser ou parecer surfista uma questão complexa capaz de provocar verdadeiras armadilhas internas.
Mas, para desviar da pior delas, é fundamental ter em mente uma verdade: Todo surfista, independente do seu nível ou habilidade, pode e deve dispensar as obrigatoriedades aparentes de cumprir certos papéis, usar certos objetos ou marcas, ou fazer surf de determinado jeito só para se sentir encaixado no universo surfístico. Surfar é, ou deveria ser, antes de tudo, um ato de liberdade.
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