texto por Junior Faria | Fotos por Fábio Gonçalves
Uma taça de vinho pareceu uma escolha pitoresca para um happy hour de quinta-feira na Vila Madalena. Mas tomamos mesmo assim. A garrafa foi oferecida gentilmente e aceitamos, sentados em cadeiras de praia em uma calçada de concreto. Eu estava de frente para Carol, Rapha e mais três amigos enquanto jogávamos conversa fora. Brindamos à nossa saúde! Matávamos tempo até a estreia do filme mais aguardado entre os amantes da mais crua alta performance. Snapt 5 estava pronto para ser exibido em um telão no rooftop da Backyard e uma noite do mais puro suquinho de surf nos aguardava na capital paulista.
Mal cheguei ao terceiro gole e logo fui abduzido pelo sorriso fanfarrão do Bruno Zanin. Ele atravessou a rua Harmonia como se estivesse chegando na beira da praia. Ele é desses raros amigos que se sente em casa em qualquer lugar, desde que esteja entre os seus. Toda festa que se preze demanda ao menos um exemplar de Zanin. Atrás dele, que nem um peixe-piloto grudado em um tubarão, um semi-idoso jovial e bronzeado caminhava rápido. Era Logan Dulien, o diretor da franquia Snapt.

Da esq. para dir.: Carol Bridi, Junior Faria, Bruno Zanin, Rapha Tognini e Logan Dulien.
Logan é local de Huntington Beach, na Califórnia, e seu sotaque não nega. Apelidado de “Chucky”, devido a sua estatura e sorriso maquiavélico, é um experiente filmmaker de surf. Mais importante que isso, Logan é um surfista fissurado. Como ele mesmo confessa, “sou surfista antes de ser cineasta, reconheço surf bom e tenho ouvido pra música”. Antes de chegar na festa, Chucky saiu direto do aeroporto de Guarulhos para a piscina de ondas do Boa Vista Village, às seis horas da manhã, para uma sessão de três horas na água.
Nos reunimos no balcão da varanda da Backyard enquanto hambúrgueres eram preparados. Logan precisava comer e nós precisávamos conversar com ele sobre o que ele achava do Brasil, por que inventou de fazer mais um filme de surf e, principalmente, como ele conseguiu a proeza de assegurar imagens inéditas dos melhores surfistas do momento em plena era das redes sociais. O papo entre eu, Rapha e Logan fluiu assim:
Você já está no Snapt 5, o que mudou desde o primeiro filme da série que saiu lá no começo dos anos 2000?
Quando comecei, por volta de 2001, havia muitos filmes independentes. O Taylor Steele estava no auge — era o cara, e ainda é. Ele lançava seus melhores filmes. O Jack McCoy fazia os dele. A turma da Lost fazia filmes incríveis, a Volcom também. Tinha muito cineasta naquela época. Depois, as coisas deram uma esfriada. Um a um, os melhores foram se aposentando ou mudando de área. Até o Kai Neville depois de Cluster praticamente não fez mais filmes. Decidi voltar porque todo mundo meio que tinha parado. Parecia que a pista estava livre para entrar de novo. Eu estava passando por um monte de coisa pessoal e tentando entender como voltar ao jogo do surf e sabia que os Snapt originais eram underground. Em 2016 comecei a falar com alguns caras; o Instagram era quase só foto, não dava para usar os melhores clipes. Então muita gente ficou com clipes arquivados. Pensei: dá pra fazer. Eu sabia que filmaria menos e atuaria mais como diretor e produtor. O Mason tinha o Rory Pringle o filmando; o Jack Robinson, no Oeste da Austrália, trabalhava muito com o Tom Jennings. No começo, muita gente achava que eu nem terminaria o filme. Mas quando Snapt 3 saiu, viram que eu tinha reencontrado o caminho.
Premiere Snapt 5 em São Paulo
Você ficou um tempo sem produzir, foi por outro caminho também…
Existe um hiato de 15 anos entre Snapt 2 e Snapt 3. Ajudei a iniciar a área de marketing de surf da RVCA. Snapt 3 foi um projeto de ressurreição. Quando fiz o Snapt 4, o nível subiu — mais gente quis entrar, sem precisar insistir. Serviu para me consolidar. Aí veio a COVID. Instagram saltou de vídeos de 10s para 1 minuto. A mídia impressa morreu e o vídeo virou a moeda. As empresas queriam vídeo; muitos fotógrafos perderam trabalho. Então a pergunta era: como fazer os caras não postarem e guardarem as melhores imagens? Foi aí que transformei o Snapt 4 num concurso. Consegui 100 mil dólares de premiação total e se o clipe tivesse sido postado, não concorreria. Enquanto todo mundo travava orçamento no período da pandemia, eu pisei no acelerador.
E como você se sente agora, em 2025, lançando um filme de surf de performance em um formato de sessões de surf e música rápida?
Eu não reinventei a roda. Voltei ao que eu via quando moleque: Momentum 1, Momentum 2, os filmes da Lost. No fim da fase do Kai (Neville), tinha muito filtro e efeito, arco-íris, cachoeira… é o estilo dele, respeito total. Eu sou surfista: reconheço surf talentoso e tenho ouvido para música. Simplifica. Sem arco-íris, borboleta, pôr do sol… a National Geographic faz isso melhor. Quero filmes que te deem vontade de cair no mar. A fórmula é simples: surf muito bom e música muito boa. Do jeito que a indústria está, com as redes e o YouTube dominando, decidi que este seria meu último filme, pelo menos desta série. Se você tira uma nota 8, depois um 9, passam a exigir 10 para sempre. É impossível agradar a todos: gosto musical, estilo, surfistas. Tenho quase 50 anos. É meu terceiro filme em nove anos. Não assinei contrato nenhum e posso mudar de ideia mas, por ora, não esperem mais nada de mim. Quero curtir a vida e o surf.
Mas o bom é que filme de surf dá muito dinheiro, né (contém ironia)? Como você bancou essa empreitada?
Financeiramente, cada filme tem altos e baixos. Snapt 1 e 2 tiveram Vitamin Water como patrocinador. No terceiro, entrou de última hora uma marca de vape. No 4, a turma do Guitar Hero (game da Neversoft/Activision) assinou o maior cheque; isso bancou a bolsa de 100 mil dólares e ativações no US Open de Surf. No Snapt 5, várias marcas pularam fora; deixamos cerca de 200 mil dólares na mesa. Tequilas não puderam entrar porque o local da estreia não tinha licença para destilados. Eu nunca fiz filme de surf para ficar rico. O surf salvou minha vida. É a terapia que me mantém conectado.
Nós curtimos muito ver surfistas brasileiros nos seus filmes. Durante muito tempo os melhores filmes de surf do mundo não mostravam o surf do nosso País. Agora no Snapt 5 você colocou uma sessão do Yago Dora, outra do Mateus Herdy, tem o Victor Bernardo também. Como é sua relação com os surfistas brasileiros?
É engraçado, porque eu era conhecido como “anti-Brasil”. Não há nada disso, eu só não conhecia a galera. Conheci o Mateus na Costa Rica e ele entrou com algumas ondas no Snapt 4. Virei amigo do Victor Bernardo. Nos Snapt, foco em quem tem um estilo que traduz bem em vídeo. Victor, Mateus, Yago fazem isso. O talento brasileiro é inegável. O Brasil está bem representado.
E agora qual é o plano para a tour de lançamento do Snapt 5?
Estou aqui no Brasil por apenas 48 horas, mais 14 horas para chegar aqui e 14 para voltar para casa. Foram 60 exibições em 27 países e agora faltam duas semanas para o fim da turnê. Ainda tem Japão, Suíça, na África do Sul aconteceu ontem. De todos esses lugares eu apareci pessoalmente só em duas ou três festas. Vir para o Brasil era prioridade para mim. Valeu demais. O Bruno Zanin foi gigante. Dei algumas dores de cabeça para ele, mas deu tudo certo. Quando conversei com alguns contatos sobre exibir o filme no Brasil ele foi unanimidade: “Quer ir para o Brasil? Fala com o Bruno. Ele é o contato.”
E essa foi a deixa para o Zanin subir as escadas segurando o tão aguardado hambúrguer com fritas. O dia estava se despedindo e novas caras começavam a chegar na Backyard. Aos poucos a casa foi enchendo e lá pelas dez da noite cerca de trezentas pessoas assistiram ao Snapt 5 pela primeira vez no Brasil. Com aquele sorrisão de boneco assassino estampado no rosto, Logan parecia satisfeito em ver seu filme passando em uma telona abaixo da linha do Equador. Pouco antes de nos despedirmos, ele admitiu em tom de surpresa: “eu nunca fui abordado tantas vezes por fãs durante uma estreia em toda a minha vida! Isso é muito louco.” Sim, Chucky, o Brasil tem o molho.

Da esq. para dir., Logan, Mateus Herdy, Bruno Zanin, Niccolas Padaratz, Junior Faria, Rapha Tognini e Carol Bridi. Fotos: Fábio Gonçalves


