Esta semana veio a público a venda da Rip Curl para uma empresa de varejo outdoor neo zeolandesa chamada Kathmandu. Números impressionantes foram usados para destacar a notícia, como o montante de 350 milhões de dólares australianos envolvido na transação ou o fato de que a aquisição acontece no ano em que a marca completa 50 anos. Mas um detalhe talvez um pouco mais relevante para nós, reles surfistas, tenha recebido menos atenção no teor geral do acontecido. A Rip Curl era a última remanescente entre as marcas globais de surf que se mantinha independente de grandes conglomerados focados prioritariamente na visão econômica do negócio. Isso significa dizer que, ainda que estivesse longe do purismo, era ainda uma empresa comandada por uma visão autenticamente originária do surf, orgulhosamente representada pela bandeira da eterna busca pela onda perfeita a qualquer custo.
E é nesse ponto que podemos encontrar, dentro de uma notícia de números um tanto quanto surreais, algum lastro à nossa mundana e utópica realidade da “the search” que alimenta os sonhos diários de quedas em pleno quintal de casa ou na espera ansiosa pela surf trip da vida paga muitas vezes em suadas prestações.
O que essa notícia quer dizer, nas entrelinhas despercebidas, é que, afinal, no último dia do nono mês da graça de 2019 caiu por terra o que talvez fosse o último bastião que representava o padrão onde ainda se baseavam hordas de sonhadores crentes na visão de surf ideal fomentado pelas grandes marcas de surfwear. Isso significa que tudo mudou imediatamente a partir do instante da assinatura daquele contrato de venda? Não. O que essa assinatura represente, talvez, seja o símbolo definitivo da ruptura que estamos vivenciando há algum tempo sem nos darmos conta – o padrão que construiu o surf com a estrutura que conhecemos hoje está em desconstrução.
Os possíveis reflexos desse fato que tem sim muito a ver com a gente, com você e com todo surfista, foram alimentados pelas filosofias e desejos escondidos nas possibilidades aventadas por Junior Faria, Carolina Bridi e Raphael Tognini nesse episódio do Surf de Mesa recheado de esperanças em dias melhores para um surf muito mais real do que ideal… Quem sabe agora passaremos a valorizar aquele surf real que todos vivemos e alimentamos todos os dias em nossas vidas possíveis, levantando, a partir da desconstrução do velho padrão, um novo surf feito muito mais por nossas incansáveis buscas pessoais de realizações do que de ideais do surf como um mundo perfeito alimentado para gerar desejos insanos de consumo.
Além do Spotify, você também pode ouvir o Surf de Mesa nas plataformas Itunes e Spreaker.