Brigitte Mayer é ex-surfista profissional, ex-conselheira da Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp) e agora ex-presidente da Abrasp. Mas bem além dos títulos acumulados, incluindo o de campeã brasileira profissional em 1998, ano em que rolou o primeiro circuito exclusivamente feminino no Brasil, Brigitte é uma daquelas mulheres que incomodam porque falam o que pensam e agem de acordo com isso. A longa trajetória que começou em 1986 nas competições de surf foi marcada pela luta ideológica da classe das mulheres surfistas. Seja quando se decepcionou em 1990, ao não ter apoio à intenção de profissionalizar o surf feminino no Brasil; Ou quando brigava continuamente, aí com sucesso, para diminuir a diferença entre premiações do masculino e feminino durante os anos áureos do circuito Super Surf.
Agora, enquanto o cenário institucional do surf brasileiro pega fogo em bastidores dignos de uma novela à qual aguardamos cenas dos próximos capítulos com esperança de dias melhores, Brigitte está novamente presente. Como vice-presidente em uma das chapas inscritas nas conturbadas eleições à Confederação Brasileira de Surf (CBS), nessa conversa ela conta os motivos que a levaram a aceitar o convite. E ainda dá um panorama esclarecido sobre a atual situação do surf profissional brasileiro, trazendo passado e presente com a clareza que só quem fez e faz parte da história ativamente consegue descrever.
Se prepara, que o que vem a seguir é uma aula sobre o surf brasileiro.
Por acaso
Quando passavam férias em Maricá, Brigitte Mayer e as duas irmãs sempre brincaram no mar pegando onda de peito ou deitadas na prancha de isopor. Até o dia em que o vizinho apareceu com uma prancha de surf e Brigitte ficou em pé pela primeira vez numa onda. Tinha uns 14 anos. Se até então o ponto de vista era das ondas na altura do peito, dali pra frente a diversão de ver o mar de cima a fez se apaixonar pelo esporte.
De volta ao Rio de Janeiro, continuou brincando despretensiosamente durante o ano seguinte até que ouviu de um então desconhecido que levava jeito e tinha chances se quisesse competir. E mais: que nas semanas seguintes rolaria um campeonato em Florianópolis. Quem deu a dica foi o kneeboarder Sérgio Peixe, que depois viria a se tornar um grande amigo. Brigitte sempre teve uma veia competitiva, e uns 15 dias depois estava com a irmã mais velha dentro de um ônibus que seguia para Santa Catarina, onde rolaria a seletiva para o Intercâmbio de Surf Brasil x EUA.
Era inverno de 1986, todos de roupa de borracha nas águas geladas de Florianópolis. Chega Brigitte com seu maiozinho e, sem conhecer direito as regras da competição, se classifica para o Intercâmbio da National Scholastic Surfing Association (NSSA) que rolaria um mês depois. Ali ela foi fisgada e soube o que queria fazer para o resto da vida.
Naquela época, intercâmbios como esse eram tradicionais. O surf começava a se organizar para o que viria a se tornar o caminho da sua institucionalização no Brasil. Intercâmbios como aquele traziam o know-how de competição a partir do contato com entidades gringas do surf, enquanto um grupo de pessoas se movimentava internamente para criar a cena nacional. Tanto é que no ano seguinte, 1987, foram fundadas oficialmente as duas primeiras entidades organizadas do surf brasileiro: a Associação Brasileira de Surf Amador (Abrasa), hoje Confederação Brasileira de Surf (CBS); e a Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp).
Mais de 33 anos depois, Brigitte é personagem fundamental no contexto atual envolvendo as duas entidades e o futuro das competições de surf em âmbito nacional.
Eleições 2020
Quem acompanha de perto o cenário de bastidores das competições nacionais de surf tem assistido uma dramática novela relacionada ao comando da CBS, que culminou na surpreendente reeleição da chapa de situação. O pleito realizado no último dia 30 de dezembro teve participação decisiva de representantes dos atletas, mesmo após posicionamento público de muitos deles pela renúncia do presidente Adalvo Argolo. Todo o contexto pré-eleições e mesmo a Assembleia para escolha do presidente envolve controvérsias, e são esperadas cenas dos próximos capítulos, visto que há uma disputa judicial em andamento.
Brigitte é vice-presidente em uma das chapas, a Projeto Surfa Brasil, com Jojó de Olivença. Quando foi convidada para entrar na disputa, ela estava no segundo ano de sua gestão como presidente da Abrasp, entidade na qual é ativa desde os anos da carreira como surfista profissional. Os motivos que a levaram a aceitar o convite e optar pela difícil decisão de renunciar à presidência da Abrasp envolvem um compromisso moral e pessoal com a entidade tradicionalmente responsável pelo circuito brasileiro de surf profissional. Tudo começou a mudar quando a CBS, tradicionalmente responsável por toda a estrutura das competições de surf amador, passou a realizar também um circuito profissional.
Não é preciso pensar muito para entender que a existência de dois circuitos profissionais enfraquece ambas as iniciativas, visto que se tornam concorrentes comercialmente em um mercado já combalido.
Eu renunciei à Abrasp em prol de um projeto maior e inclusivo à Abrasp. Uma das minhas pseudo-cláusulas de contrato com esse grupo é que a Abrasp não seria excluída e seria respeitada como a entidade que gere o surf profissional no Brasil”, explica.
A estratégia foi tentar garantir que os espaços sejam restabelecidos, mantendo CBS como entidade maior do esporte, responsável pela organização estrutural de toda a base, enquanto a Abrasp permanece com sua autoridade para gerir os esforços por uma estrutura de competições profissionais novamente forte, como nos anos prósperos marcados pelo Circuito Super Surf – tempo que permitiu condições internas para a formação de uma geração que hoje domina o surf mundial.
Mas, de lá até agora, muita água rolou por baixo da prancha de Brigitte.
Profissionalização
Voltando à década de 80, quando o surf estava começando a se estruturar no Brasil, Brigitte fez parte do time brasileiro nos mundiais amadores de 1988, em Porto Rico, quando Fábio Gouvea foi campeão mundial, e de 1990, no Japão. Naquele ano, ficou em 7º lugar e decidiu competir o circuito mundial da Association of Surfing Professionals (ASP, hoje WSL). Naquela época, o circuito era aberto. Ou seja, não tinha circuito de qualificação como é hoje o QS. Qualquer surfista poderia se inscrever, a diferença é que a cada etapa era preciso passar por muitas fases até chegar na fase principal, onde estariam os tops.
Brigitte partiu com duas outras surfistas para a perna europeia, que duraria dois meses. Logo na chegada, teve tudo roubado. Dinheiro, passaporte, cartão de crédito, passagem. Tudo se foi ainda no aeroporto, e ela só se deu conta horas mais tarde. Sentou na calçada, começou a chorar e contou por telefone para a mãe que tudo tinha acabado. “Todo o dinheiro que meu patrocinador tinha dado, que eu tinha juntado, que ela tinha me ajudado. Eu não tinha um ´cascalhinho´ pra seguir”, lembra. A mãe, que trabalhava no Consulado da Áustria, fez tudo que pôde para ela seguir. Agilizou passaporte e arrumou dinheiro emprestado com conhecidos em Madrid.
Foi onde tudo mudou. Quando chegou no primeiro evento, na França, Brigitte fez quartas de final e ficou em 9ª colocação. O resultado deixava à sua disposição a quantia de 500 dólares, mais ou menos a metade do dinheiro que tinha sido roubado. Mas naquela época, se aceitasse pegar a premiação, estaria automaticamente se profissionalizando, o que a impediria de competir no Amador.
Sem pensar duas vezes, Brigitte pegou o dinheiro, pagou o empréstimo feito com o amigo da mãe, e foi em frente. Se deu bem também no segundo evento, colocou mais um dinheiro no bolso e com isso conseguiria seguir toda a perna europeia. Mas um acidente de carro a fez voltar mais cedo para casa. Brigitte sofreu traumatismo craniano.
“A viagem por um lado foi ótima porque foi um marco na minha vida, e depois foi meio desastrosa porque quase morri e fiquei de molho”, lembra. Ao impacto físico que o acidente provocou se juntou o desânimo que teve quando não teve apoio das outras meninas ao provocar uma cena de profissionalização do surf feminino no Brasil. Desestimulada, ela parou de competir internamente e voltou a competir amadoramente no Brasil sé entre 93 e 94.
Anos mais tarde, em 1997, começaram a ser realizados alguns eventos profissionais femininos no Brasil. Depois de cinco vices-campeonatos, sentia que já tinha conquistado tudo que queria no Amador e optou por se tornar profissional. “Era um profissional muito bizarro, em que a primeira colocação ganhava R$ 500, o que era medíocre. Mas eu sempre pensei que como amadora eu corria todos esses campeonatos por um troféu, um kit e pelo meu amor ao esporte. Então pensei: ´Vamos lá, começa com 500 e a gente vai chegar lá”.
Em 1997, a primeira campeã brasileira profissional foi Deborah Farah, um dos ícones do surf feminino e sua grande amiga. No ano seguinte, no primeiro circuito exclusivo feminino, foi a vez de Brigitte. “Depois de muitos anos como vice-campeã no Amador, aos 30 anos fui campeã brasileira profissional. Aquilo pra mim foi o ápice, é inesquecível, ainda mais porque fiz a final com a Deborah lá em Maresias mesmo”, lembra. Deborah Farah morreu anos mais tarde, em 2001, surfando em Maresias. Brigitte surfou profissionalmente durante 25 anos, quando se aposentou em 2006.
Relação com a Abrasp
Da mesma maneira que sua inserção no mundo competitivo do surf não foi programada, também seu envolvimento ativo com os rumos do surf no Brasil não foram de caso pensado. “As coisas foram acontecendo, e assim é basicamente a minha vida”, diz. “Não sei se isso é bom ou é ruim porque às vezes você projeta e se frustra, e às vezes as coisas simplesmente acontecem por aproveitamento de oportunidade, que não caem do céu. Elas vêm porque você vem trabalhando, e as coisas vão acontecendo, e às vezes você tem sucesso ou não no teu objetivo”, reflete.
Lembra quando, no início da década de 90, Brigitte tentou agitar as meninas para criar uma cena de surf profissional feminina? Quando o surf finalmente se profissionalizou e o nível de conversa e posicionamento dos atletas precisava ser outro, toda aquela visão mais avançada do passado foi muito útil. Em 2000, quando surgiu o Super Surf, foi natural que buscassem em Brigitte a opinião de como poderia se dar a cena no surf feminino nacional.
“Eu tinha muito acesso a todas as pessoas, inclusive dentro da Abrasp”, lembra. Aqui cabe explica que a Abrasp é uma associação que nasceu com a premissa de ser comandada pelos próprios atletas. A obrigatoriedade de um colegiado de atletas dentro das entidades, que passou a ser instaurada pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) mais recentemente, já era o que a Abrasp fazia desde sua fundação em 1987. Assim, era natural que Brigitte, que já tinha iniciativas próprias antes mesmo do surf feminino se profissionalizar no país, fosse chamada para representar as mulheres no conselho dos atletas na época do Super Surf.
Nessa minha trajetória de luta, de ideologia, eu comecei a me inteirar mais sobre os assuntos das organizações, de como funciona, de luta pela nossa classe. A gente treina da mesma maneira que os caras, toma caldo da mesma maneira, as atletas abrem mão das suas vidas pessoais na maioria dos casos da mesma maneira que os homens, então por que nós não tínhamos uma premiação pelo menos digna?”
No Super Surf as mulheres ainda ganhavam menos que os homens, mas a linha de aumento de premiação ao longo da história sofreu uma inclinação de quase 90 graus naquele período, com a feminina começando com muito pouco e depois chegando bem perto da premiação masculina.
Primeira mulher presidente
Foram entre 10 a 12 anos como conselheira da Abrasp lutando pelos direitos das mulheres e representando as decisões das atletas. Mesmo depois de se aposentar das competições, continuou como representante por dois anos, mas tentando estimular outras meninas a terem voz. “Tinha necessidade delas estarem junto porque a voz delas tinha que ser escutada, e eu não participava mais dos campeonatos, não sabia efetivamente o que acontecia”, observa.
Anos mais tarde, recebeu então o convite para ser presidente da Abrasp, e em 2019 se tornou a primeira mulher a presidir a entidade. “Pensei muito, e tudo que sempre me moveu depois da minha aposentadoria, inclusive quando criei a revista Ehlas, era tentar permitir que essa nova geração de meninas pudesse viver tudo aquilo que eu vivi. Eu tenho uma saudade tão gostosa, aquela saudade que te enche de lembranças boas, que eu posso ficar conversando horas sobre tudo que pude viver, sentir, muito mais nas derrotas do que nas vitórias. Todas as pessoas que eu conheci no decorrer dessa caminhada, os lugares que eu pude conhecer, é uma diversidade tão grande de almas e de pensamentos que fizeram o que eu sou hoje. Então eu me senti na obrigação de tentar devolver, de prover isso para essa nova geração”, declara.
A decisão vinha na esteira de uma lacuna muito grande de competições no cenário nacional.
“Ao contrário do que o circuito mundial está mostrando, que é um baita Brasil lá fora sendo unanimidade, internamente a casa estava bem bagunçada”, observa.
“Fui presidente da Abrasp durante, pode-se dizer, seis meses, já que 2020 não conta porque a gente não conseguiu fazer nada efetivamente. Na realidade, poucas pessoas conseguiram botar no papel e efetivamente fazer o que elas tinham proposto”, analisa. Há alguns meses, ela renunciou para se candidatar à vice-presidência da CBS.
Gestão
Chegamos então ao presente de Brigitte. A empreitada que aceitou em prol do que acredita ser o melhor rumo para o surf nacional. E, em uma análise mais estratégica, em prol também da própria Abrasp.
“Moralmente, eu não poderia estar em ambas as frentes. Eu poderia ter me afastado, existia essa possibilidade. Mas antes do pleito efetivamente, achei moralmente melhor para o surf eu abrir mão da Abrasp. Eu preferi renunciar para poder focar e deixar literalmente a Abrasp independente. Moralmente, me senti melhor. Teria conflitos”, analisa.
A decisão leva em conta o que Brigitte considera crucial para o futuro do surf no Brasil: mudança com modernização. Para ela, falta uma gestão moderna, com outro olhar.
“Estamos falando de 87 pra cá. A gente tem bons anos e talvez seja hora de sangue novo. Pessoas novas no comando, com um olhar talvez mais corporativo porque a roda tem que voltar a girar. E se essa roda está emperrada há anos, ou talvez por um continuísmo de olhares e vícios, essa é a hora”, defende. Por isso ela diz que está tentando algo novo. Se a mudança não está fácil de vir de baixo para cima, em suas palavras, “é preciso organizar a casa de cima para baixo”. É o que, segundo ela, pensa o grupo ao qual se aliou.
“Padronizar as federações, e as federações tentarem fazer isso cascateando para as associações, porque tudo começa na associação. Tudo começa na brincadeira da criança correr um campeonato do bairro, da praia dela. Se isso não acontecer de uma forma ordenada de baixo pra cima ou de cima pra baixo, as coisas não funcionam”, diz.Para ela, a mudança precisa acontecer agora, momento em que o surf está em outro nível.
“Temos um esporte que se tornou olímpico. Ou nos adaptamos ou as coisas vão degringolar de uma maneira muito séria”, acredita.
Dois campeões ao mesmo tempo
Historicamente, a CBS, antigamente Abrasa, sempre foi o órgão que regulamenta e gere o esporte amador, inclusive com reconhecimento da International Surfing Association (ISA). E a Abrasp, como o próprio nome diz, sempre foi responsável, desde seu surgimento, pelo surf profissional brasileiro. Traz um histórico de campeões. Em determinado momento, a CBS passou a gerir também o esporte profissional. Administrativamente e juridicamente, isso é legal, mas considerando que a Abrasp sempre existiu e sempre foi a entidade chancelada pelo surf nacional, leia-se atletas e federações, seria de se esperar que ocorresse um diálogo. Segundo Brigitte, esse contato nunca existiu.
“Essa conversa, essa negociação nunca foi feita. E aí gerou um ruído, uma dúvida do público, de todos, até dos próprios atletas. Como é que a gente vai ter dois campeões brasileiros profissionais ao mesmo tempo?”
Como ex-surfista profissional, ex-conselheira e agora ex-presidente da Abrasp, Brigitte classifica a situação como nonsense e difícil de entender. Levanta, inclusive, as dificuldades econômicas que isso acarreta.
Quando você vai num patrocinador vender um circuito, como muitas vezes aconteceu, o cara pergunta quem é o campeão brasileiro. É o campeão da Abrasp ou é o campeão da CBS? Foi um desserviço ao surf profissional brasileiro porque poderiam ter sido juntadas as forças”.
A situação enfraquece o título de ambas as entidades. E economicamente ainda há mais concorrência, explica: “Existe a Abrasp lutando por dinheiro no mercado, a CBS lutando por dinheiro no mercado e a própria WSL Latin America também procurando esse dinheiro no mercado. Fica difícil. E um dinheiro que hoje é escasso. Espero que num futuro bem breve as coisas melhorem porque os atletas merecem isso.”
Como chegamos até aqui
A grande dúvida é como, depois de um período de forte profissionalização do surf no Brasil, o cenário se desfez de tal modo que as duas principais entidades, que inclusive nasceram paralelamente, cada uma com sua vocação, se tornam concorrentes em um objetivo comum, que seria, supostamente, o desenvolvimento e sustentabilidade da estrutura do surf nacional.
No âmbito profissional, Brigitte lembra que, logo após o Super Surf ainda teve dois anos do Brasil Surf Pro até o país entrar em uma grande crise. Aquele universo de condições excelentes desapareceu. “Tanto o surf masculino quanto o feminino eram alimentados por um circuito de entrada e mais uma elite que se mantinha com cinco grandes eventos anuais, e as pessoas conseguiam ter a sua subsistência no esporte através de campeonatos”, observa. Uma crise nacional provocou o desaparecimento de patrocinadores, tanto dos eventos quanto dos atletas, e então vem o que ela considera uma crise de identidade, visto que as surfwears praticamente desapareceram do cenário.
“Tem as marcas internacionais, o que limita bastante o atleta. Entre as grandes marcas do Rio de Janeiro, de São Paulo, até do Norte e Nordeste, dá para contar nos dedos quem são e quem atualmente consegue investir num time. Aí é a questão do ovo e da galinha: Se não tem evento, não tem patrocínio de atleta”, avisa.
As mídias sociais surgem como alternativa, mas trata-se de um perfil diferente.
Brigitte afirma que, exceto alguns estados, poucas são as federações que, efetivamente, junto com as associações locais, estão conseguindo prover cena para seus atletas. Assim, a engrenagem nos últimos anos parou de girar. Paralelamente a isso, há uma divisão dos grandes nomes do surf nacional que hoje estão no cenário mundial. Esses grandes ídolos não podem competir internamente por regras da WSL, o que também faz diferença na hora de vender um circuito brasileiro para um grande patrocinador.
“A primeira pergunta num patrocinador fora do surf é se o Medina, o Ítalo, a Tati vão estar lá. E a gente precisa dizer que não, desculpa, eles não podem competir no Brasil. E começa um grande conflito”, explica. A realidade é que há uma única etapa do CT realizada no Brasil em que esses ídolos estão presentes, e essa etapa envolve alto investimento, enquanto internamente a engrenagem continua parada.
Perde-se a noção de que se hoje existem estes grandes nomes brasileiros na cena mundial, é porque houve um forte cenário interno onde eles se formaram como atletas.
Brigitte afirma que o surf no país viveu cerca de 15 anos muito bons, que começou até mesmo antes do Super Surf. Período no qual o profissionalismo se deu com muito dinheiro. “Etapas de R$ 1 milhão numa época em que o Brazilian Storm estava ali se formando. Os números que a gente está acostumado a ver hoje na prancha de um Medina, de um Ítalo, de um Filipinho, eram números que aconteciam como premiação interna e funcionava muito bem”, lembra.
Ela observa que nessa época existiam cadastrados na Abrasp mais de 300 atletas, enquanto hoje um ranking nacional não chega a somar 100 nomes. “Então, em algum momento esse trem descarrilhou com a falta do dinheiro, mas também por uma apatia interna. A gente não conseguiu ter uma visualização de que, se ia virar olímpico, tinha que ter um investimento como um todo porque não pode pensar só nessa geração que esta comandando o surf mundial. Internamente, tudo parou.”
União dos atletas
Toda a recente cena conturbada, para ela, se resume a gestão profissional com transparência. O que também envolve e acarreta problemas internos entre os próprios atletas. Depois do resultado da Assembleia que reelegeu a gestão passada, a qual sofria pressão por renúncia vinda por parte dos próprios atletas, há questionamentos sobre a união entre os surfistas profissionais.
“Eles até são (unidos)”, diz Brigitte, mencionando as reuniões internas ocorridas entre surfistas para que os votos de seus representantes fossem definidos pela maioria. Mas em sua visão, falta organização, porque algo se perdeu no caminho. Afinal, diante de uma eleição com 13 votos, em que cinco vinham de federações e oito de representantes de atletas, seria de se esperar que o resultado fosse outro caso essa união estivesse refletida nos votos dos representantes.
Na Assembleia do dia 30 de dezembro, a reeleição se deu com um resultado de oito a cinco, onde, das cinco federações, três votaram pela chapa de oposição que se manteve no pleito. Se três dos cinco votos vieram das federações, é simples concluir que somente outros dois votos vieram de representantes dos atletas. Ou seja, os outros seis (de oito representantes da classe) optaram pela reeleição de uma chapa a qual a maioria inclusive pedia renúncia há poucos meses.
Excluindo o aspecto jurídico e legal da situação hoje, porque tudo ainda está em um questionamento muito grande, eu também me pergunto: o que aconteceu?”
“Mas estamos à espreita do que vai acontecer nos próximos capítulos. Eu realmente espero, sempre lutei como atleta e como representante de atleta, por esse união porque acho que nada funciona se não tiver a maioria. 100% das pessoas não vão pensar 100% igual. Isso é fato, mas a tendência é que uma maioria consiga se sobrepor a todo o resto”, afirma Brigitte. Da mesma maneira como isso sempre se deu na Abrasp, na qual os atletas definem o que acontece internamente, ela acredita que também dentro da Condeferação isso precisa acontecer de fato, ainda mais agora que é obrigação estabelecida pelo COB.
Ela destaca ainda que há um estatuto dentro da Confederação que pode ser amplamente trabalhado para evitar brechas a algumas coisas que não foram pensadas ou formatadas. Cabe aos atletas, segundo ela, a responsabilidade por cobrar da entidade estas mudanças.
O que eu penso é que talvez toda essa população de atletas não consegue assimilar que a entidade só existe por causa deles.”
Compara à própria política nos países, onde representantes no Senado, na Câmara e na Presidência devem ser cobrados diariamente pelas coisas que supostamente deveriam estar fomentando. “Não acho que é falta de união (dos surfistas), mas é uma falta de união organizada. Num momento em que as pessoas se organizam, da mesma maneira uma entidade se organiza. E com gestão, transparência e foco, as coisas vão. O que não adianta é ficar um monte de gente pensando de maneira dispersa. Tem que juntar e trabalhar. Por isso, a palavra gestão. Gestão de atletas, gestão nas entidades. Não adianta só se unir e não direcionar esse esforço em prol do trabalho e da cobrança”, defende.
Surf e política
Para quem defende que política nada tem a ver com surf, cabe a noção de que não tem para onde correr.
A gente vive em sociedade, e na sociedade tudo envolve política, felizmente ou infelizmente”, avisa Brigitte. “É uma questão até de cidadania surfística”, define.
Não vivemos mais o tempo em que as entidades foram fundadas, então é preciso se adequar e contribuir ativamente. Como ex-atleta, Brigitte afirma que seria a primeira a querer estar presente para saber o que está acontecendo. Da mesma maneira, como cidadã se vê nesse posto também de cobrança, de tentar entender como as coisas acontecem.
“A gente vê todas essas instituições, se você não se faz presente, se você não cobra, não exerce sua cidadania como atleta”, observa. Ela destaca ainda a grata surpresa verificadas nessas eleições de duas pessoas independentes aprovadas para o Conselho Fiscal. Pouca gente tem conhecimento de que a eleição do Conselho Fiscal é independente das chapas, justamente pelo caráter de fiscalização da função. Obviamente, existe a possibilidade de inscrever pessoas de confiança, informalmente vinculadas às chapas para que sejam eleitas ali. Mas dessa vez, foram eleitas duas pessoas sem nenhum vínculo a qualquer uma das chapas concorrentes. Foram pessoas independentes que literalmente exerceram sua cidadania surfística ao se candidatarem e serem aprovadas.
Para Brigitte, no surf faltam pessoas ativas, interessadas nas entidades e no que acontece burocraticamente nas organizações. “Se a gente tiver pelo menos 5% dos surfistas interessados, o que é um número muito baixo, já seria interessante, já seria bom”, afirma. O que tenta falar para as mulheres surfistas é que enquanto elas não quiserem se envolver, nada muda. Por isso, para as mulheres que querem fazer acontecer dentro do surf, ela deixa a mensagem de que em todas as áreas é preciso se unir e valorizar a mão-de-obra e capacidade feminina.
Acredite, se alguém um dia disse que esse não é um lugar onde você tem que estar, é exatamente nesse lugar que você deve estar. Faça o que seu coração manda, faça o que tem vontade e acredite. Não é fácil, mas é bom pra caramba quando a gente chega lá. Trabalhe muito, acredite no seu potencial e não se deixe diminuir por ninguém que diga que você não tem que estar ali. Esse é meu grande lema de vida”.
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