Arranha-céus de Balneário Camboriú. Fragmentos de solidão. Frames detalhados de memória. Um olhar sobre a cidade, “onde é meu coração”, diz ela. E então Bárbara Müller renasce na volta ao mar ao conseguir furar sua própria bolha de isolamento. Aquela em que tinha entrado quando uma lesão na coluna a deixou longe do surf por 5 meses em um estado pouco comum para quem a conhece.
My Escape, filme de Bruno Tessari apresentado pela Vans e lançado com exclusividade aqui na Flamboiar, começou a ser filmado em março de 2023, antes da lesão. Mas um mês após as filmagens, uma fratura na coluna levou a uma hérnia de disco e duas protusões. Como consequência, na esteira do longo processo de recuperação veio uma intensa autocobrança e a falta de sentido. “Nada me deixava feliz”. Bárbara se fechou. E quando se fala em Bárbara, isso não é nada trivial. Algo estava muito fora do lugar, e não estamos falando da coluna.
Foto: Max Riton
Fotos: Acima, Max Riton. À direita, Leandro Sumar
A fuga
Bárbara já tinha passado por algo parecido 9 anos atrás. Uma lesão séria a tinha deixado sem surfar durante um ano e meio quando ainda competia. Mas dessa vez algo estava diferente. “Lembrando do meu ano, eu pude ver como eu me isolei, me fechei, não queria fazer nada. Tava só dentro da minha bolha. Minha mãe falava pra ir pra rua, fazer alguma coisa que me deixasse feliz. Eu não queria fazer nada. Não conseguia ter prazer em viver. Às vezes a gente não entende o sentimento de não tá 100% disposto. E no final das contas é o surf que me reenergiza. Pode tá uma merda o mar. Mas eu tenho sorte de ter isso como a minha fuga”.
Se aproximava a data de uma viagem programada um ano antes. Bárbara e sua best, Chantalla Furlanetto, que juntas formam uma dupla que além de muito surf compromisso entregam uma presença divertidíssima, estavam prestes a realizar o sonho de surfar em Mentawai. Tudo armado pra trip, barco reservado há um ano, e agora o dilema. As duas se machucaram antes da viagem. Além de Bárbara, Chantalla havia lesionado o joelho e estava prestes a operar. “Eu com as costas quebradas no meio e ela indo pra faca. A gente falou, “não, espera”:
— Vamos assim mesmo? — Vamos!
Fotos: Awenk Neymar
o sonho
Depois de 5 meses sem entrar no mar, um surf de teste em Balneário indicou muita, muita dor. Com uma injeção de corticóide no corpo e um monte de anti inflamatório na bagagem, Bárbara embarcou para descobrir algo que não sabia que era possível: voltou a ter a mesma fissura de 15 anos atrás.
“Foi essa a sensação que eu tive em Mentawai. A gente fica totalmente viciado no surf, sem celular, sem comunicação, fora da bolha do dia a dia”.
Os anti inflamatórios? Nem usou. Nos três primeiros dias sentiu dor. Depois, comparou a acomodação do incômodo na coluna àquele calejado na costela do atrito na prancha quando se surfa muito tempo seguido. “Às vezes doía mais, eu tomava anti inflamatório com Bintang e ficava de boa. O problema foram os cortes mesmo que me deixaram sem surfar direito no final.”
Foto acima: Max Riton. Imagens abaixo: Reprodução My Escape
Love Hurts
Foto: Arquivo pessoal Bárbara Müller
Se não há sangue, não há compromisso. Um bom filme de surf pra Indonésia é como a vida, onde as histórias também se contam nas cicatrizes. Seja de cortes nos corais, de fraturas na coluna ou das fissuras no coração.
Junto com Bárbara e Chantalla, estava também a vice-campeã mundial e bi-campeã do QS Jacqueline Silva e outras amigas. As brasileiras Pati, Mariana, Marina e Maiara, e as australianas Jamie e Jackie. Ao todo, 9 mulheres a bordo caçando ondas em Mentawai durante 12 dias. Das 9, duas saíram sem cortes e arranhões dos corais.
Em Macaronis, uma esquerda perfeita, ou “a mais Disney das ondas que pegaram em Mentawai”, como descreveu Bárbara, ela e Chantalla ficaram enlouquecidas. Não era o maior dia, e a maré começava a secar. O guia voltou para o barco, avisou que logo saía o almoço, mas as duas esqueceram e decidiram ficar. “Quando não é o maior dia, fica mais dentro da bancada ainda”, ela explica. Maré secando e elas não sentiram nada. Chantalla já tinha se machucado um dia antes, e quando deu uma raladinha saiu da água.
Bárbara ficou. Se perguntou porque estava sozinha no pico. Percebeu que era porque a maré estava seca, mas viu que estavam filmando e resolveu aproveitar. Era o quinto dia de viagem, sentia finalmente que estava voltando a surfar melhor depois da retomada. Estava voltando a sentir confiança na prancha, soltando o pé e acostumando com a visão do coral a cada manobra.
Como era um dia de mar menor, resolveu não usar botinha. Pegou um tubinho, beleza. Não aconteceu nada. Depois deu uma manobra, caiu, nada aconteceu. Ok. Uma hora até encostou num coral, pequeno corte, decidiu sair. Aí na última onda, é sempre assim…
“Só que ela foi tão boa, que eu dei uma, dei duas, dei três, cara… foi secando. Eu não vi a hora de sair. Eu só tava em outro lugar, tava só querendo cavar e manobrar, e base lip na minha cabeça. Parecia que eu tava na escola sonhando em tá naquela onda, sabe? Quando finalmente você tava lá?”
Passou por cima de um coral com a quilha. Tropeçou, de tão seca que estava a maré. Pegou na prancha, destruiu… Caiu de pé primeiro, foi um corte fundo. Então virou logo de costas para não cortar mais o pé. Foi a vez de ralar bunda e costas. O combo todo numa queda só.
“Cheguei toda lanhada.”
Imagens: Reprodução My Escape
No barco, o remédio é chamado chinesinho. O nome, claro, não é esse, mas ninguém sabe ler o que está escrito, só se sabe que ele é melhor do que limão para matar as bactérias. “Aquilo é o diabo porque dói muito, e cerveja pra aguentar. Isso era 9 horas da manhã”.
Nos dias seguintes, todo dia no paraíso, era botinha e tentar de novo. “Mesmo com dor, eu precisava tentar. Quase morria de dor, qrrrrr. Aí saía do mar, passava chinesinho de novo. Nossa, doeu. Eu entrava, dropava fazendo careta. Era metade do dia sentindo dor e outra metade fazendo curativo.
Agora? Já está tudo cicatrizado.
A essa altura, a dor nas costas já nem lembrava mais. E a vontade de viver já tinha se transformado na própria vida
(Fotos: Arquivo pessoal)
“A energia de duas amigas faz todo mundo se unir.” Bárbara e Chantalla tiram onda o tempo todo. Nessa, até a tripulação entrou na onda. No fim, elas tiraram onda com todo mundo que estava em Mentawai na época, inclusive com os vários barcos que surgiram pelo caminho. “A gente fez amizade com todo mundo. A gente agitava todo dia uma coisinha. A tripulação junto. E música move. Vendo a galera surfar, mesmo quando eu não podia, é uma energia sinistra… Todo mundo voltava falando: ‘É o dia mais feliz da minha vida todo dia’… E botava música e cerveja, estourava champanhe, parecia ano novo todo dia. Era a melhor viagem do mundo. Inclusive em 2025 vamos fechar outro barco. O plano é fazer de 2 em 2 anos.”
Assista ‘my escape’
Foto: Max Riton.
Arranha-céus de Balneário Camboriú. Fragmentos de solidão. Frames detalhados de memória. Um olhar sobre a cidade, “onde é meu coração”, diz ela. E então Bárbara Müller renasce na volta ao mar ao conseguir furar sua própria bolha de isolamento. Aquela em que tinha entrado quando uma lesão na coluna a deixou longe do surf por 5 meses em um estado pouco comum para quem a conhece.
My Escape, filme de Bruno Tessari apresentado pela Vans e lançado com exclusividade aqui na Flamboiar, começou a ser filmado em março de 2023, antes da lesão. Mas um mês após as filmagens, uma fratura na coluna levou a uma hérnia de disco e duas protusões. Como consequência, na esteira do longo processo de recuperação veio uma intensa autocobrança e a falta de sentido. “Nada me deixava feliz”. Bárbara se fechou. E quando se fala em Bárbara, isso não é nada trivial. Algo estava muito fora do lugar, e não estamos falando da coluna.
Fotos: Acima, Max Riton. Abaixo, Leandro Sumar.
A fuga
Bárbara já tinha passado por algo parecido 9 anos atrás. Uma lesão séria a tinha deixado sem surfar durante um ano e meio quando ainda competia. Mas dessa vez algo estava diferente. “Lembrando do meu ano, eu pude ver como eu me isolei, me fechei, não queria fazer nada. Tava só dentro da minha bolha. Minha mãe falava pra ir pra rua, fazer alguma coisa que me deixasse feliz. Eu não queria fazer nada. Não conseguia ter prazer em viver. Às vezes a gente não entende o sentimento de não tá 100% disposto. E no final das contas é o surf que me reenergiza. Pode tá uma merda o mar. Mas eu tenho sorte de ter isso como a minha fuga”.
Se aproximava a data de uma viagem programada um ano antes. Bárbara e sua best, Chantalla Furlanetto, que juntas formam uma dupla que além de muito surf compromisso entregam uma presença divertidíssima, estavam prestes a realizar o sonho de surfar em Mentawai. Tudo armado pra trip, barco reservado há um ano, e agora o dilema. As duas se machucaram antes da viagem. Além de Bárbara, Chantalla havia lesionado o joelho e estava prestes a operar. “Eu com as costas quebradas no meio e ela indo pra faca. A gente falou, “não, espera”:
— Vamos assim mesmo? — Vamos!
Fotos: Awenk Neymar
o sonho
Depois de 5 meses sem entrar no mar, um surf de teste em Balneário indicou muita, muita dor. Com uma injeção de corticóide no corpo e um monte de anti inflamatório na bagagem, Bárbara embarcou para descobrir algo que não sabia que era possível: voltou a ter a mesma fissura de 15 anos atrás.
“Foi essa a sensação que eu tive em Mentawai. A gente fica totalmente viciado no surf, sem celular, sem comunicação, fora da bolha do dia a dia”.
Os anti inflamatórios? Nem usou. Nos três primeiros dias sentiu dor. Depois, comparou a acomodação do incômodo na coluna àquele calejado na costela do atrito na prancha quando se surfa muito tempo seguido. “Às vezes doía mais, eu tomava anti inflamatório com Bintang e ficava de boa. O problema foram os cortes mesmo que me deixaram sem surfar direito no final.”
Foto: Max Riton. Imagens: Reprodução My Escape.
Love Hurts
Foto: Arquivo pessoal
Se não há sangue, não há compromisso. Um bom filme de surf pra Indonésia é como a vida, onde as histórias também se contam nas cicatrizes. Seja de cortes nos corais, de fraturas na coluna ou das fissuras no coração.
Junto com Bárbara e Chantalla, estava também a vice-campeã mundial e bi-campeã do QS Jacqueline Silva e outras amigas. As brasileiras Pati, Mariana, Marina e Maiara, e as australianas Jamie e Jackie. Ao todo, 9 mulheres a bordo caçando ondas em Mentawai durante 12 dias. Das 9, duas saíram sem cortes e arranhões dos corais.
Em Macaronis, uma esquerda perfeita, ou “a mais Disney das ondas que pegaram em Mentawai”, como descreveu Bárbara, ela e Chantalla ficaram enlouquecidas. Não era o maior dia, e a maré começava a secar. O guia voltou para o barco, avisou que logo saía o almoço, mas as duas esqueceram e decidiram ficar. “Quando não é o maior dia, fica mais dentro da bancada ainda”, ela explica. Maré secando e elas não sentiram nada. Chantalla já tinha se machucado um dia antes, e quando deu uma raladinha saiu da água.
Bárbara ficou. Se perguntou porque estava sozinha no pico. Percebeu que era porque a maré estava seca, mas viu que estavam filmando e resolveu aproveitar. Era o quinto dia de viagem, sentia finalmente que estava voltando a surfar melhor depois da retomada. Estava voltando a sentir confiança na prancha, soltando o pé e acostumando com a visão do coral a cada manobra.
Como era um dia de mar menor, resolveu não usar botinha. Pegou um tubinho, beleza. Não aconteceu nada. Depois deu uma manobra, caiu, nada aconteceu. Ok. Uma hora até encostou num coral, pequeno corte, decidiu sair. Aí na última onda, é sempre assim…
“Só que ela foi tão boa, que eu dei uma, dei duas, dei três, cara… foi secando. Eu não vi a hora de sair. Eu só tava em outro lugar, tava só querendo cavar e manobrar, e base lip na minha cabeça. Parecia que eu tava na escola sonhando em tá naquela onda, sabe? Quando finalmente você tava lá?”
Passou por cima de um coral com a quilha. Tropeçou, de tão seca que estava a maré. Pegou na prancha, destruiu… Caiu de pé primeiro, foi um corte fundo. Então virou logo de costas para não cortar mais o pé. Foi a vez de ralar bunda e costas. O combo todo numa queda só.
“Cheguei toda lanhada.”
Imagens: Reprodução My Escape
No barco, o remédio é chamado chinesinho. O nome, claro, não é esse, mas ninguém sabe ler o que está escrito, só se sabe que ele é melhor do que limão para matar as bactérias. “Aquilo é o diabo porque dói muito, e cerveja pra aguentar. Isso era 9 horas da manhã”.
Nos dias seguintes, todo dia no paraíso, era botinha e tentar de novo. “Mesmo com dor, eu precisava tentar. Quase morria de dor, qrrrrr. Aí saía do mar, passava chinesinho de novo. Nossa, doeu. Eu entrava, dropava fazendo careta. Era metade do dia sentindo dor e outra metade fazendo curativo.
A essa altura, a dor nas costas já nem lembrava mais. E a vontade de viver já tinha se transformado na própria vida
A essa altura, a dor nas costas já nem lembrava mais. E a vontade de viver já tinha se transformado na própria vida.
Agora? Já esta tudo cicatrizado.
(Fotos: Arquivo pessoal)
“A energia de duas amigas faz todo mundo se unir.” Bárbara e Chantalla tiram onda o tempo todo. Nessa, até a tripulação entrou na onda. No fim, elas tiraram onda com todo mundo que estava em Mentawai na época, inclusive com os vários barcos que surgiram pelo caminho. “A gente fez amizade com todo mundo. A gente agitava todo dia uma coisinha. A tripulação junto. E música move. Vendo a galera surfar, mesmo quando eu não podia, é uma energia sinistra… Todo mundo voltava falando: ‘É o dia mais feliz da minha vida todo dia’… E botava música e cerveja, estourava champanhe, parecia ano novo todo dia. Era a melhor viagem do mundo. Inclusive em 2025 vamos fechar outro barco. O plano é fazer de 2 em 2 anos.”