texto por Junior Faria

fotos por Raphael Tognini

Parece exagero, mas Yago Dora é tudo isso mesmo. Estilo, aéreos para os dois lados com variações, surf de linha e radical na mesma intensidade.

Um surfista respeitado pelo que faz no freesurf e que foi abraçado pela mídia internacional até antes de entrar no CT, em 2018. Hoje, na sua sétima temporada entre os 34 melhores do mundo, ele ocupa o topo do ranking e está na disputa direta pelo título mundial. Uma disputa que nos últimos 11 anos foi vencida sete vezes por quatro brasileiros: Gabriel Medina, Adriano de Souza, Filipe Toledo e Italo Ferreira. Nenhum outro surfista do Brasil foi campeão mundial até agora.

E então tem o Yago.

Antes de ser um grande competidor, Yago é um surfista de alma. Carrega no seu estilo dentro d’água a esperança de milhares de fãs ao redor do mundo de assistir a uma performance digna de sessão de filme de surf durante uma bateria do CT. Poucos surfistas na história capturam a admiração dos fãs dessa maneira. Há cinco dias do início da janela de espera do Lexus Trestles Pro, e recém saído de uma sessão de surf em Lowers, às 15h15 de uma quarta-feira, Yago apareceu sorridente para essa conversa.
Yago Dora surfando na piscina do Boa Vista Village_Foto Raphael Tognini

Você está em um momento muito legal de carreira, de maturidade como competidor e também como surfista. Chegar no top cinco é casca grossa, é para quem quer muito! E para quem pode também, né. Disputar um título mundial é para quem está a fim de encarar isso. Eu queria entender a sua cabeça, como é que você vê esse seu momento. Porque a gente, aqui de fora, vê uma coisa. Mas seria legal entender como é que você se sente. Eu sinto que desde o ano passado eu tive uma uma transição muito grande na minha vida, tanto como competidor quanto pessoal.

Assim, maturidade e tal, de conseguir me entender melhor e entender o que eu realmente quero, o que funciona melhor para mim, e encaixar essa rotina do jeito que eu gosto e isso estar funcionando, sabe? Tipo, conseguir dar meu melhor e me manter motivado e ao mesmo tempo, fazendo isso tudo do jeito que eu gosto de fazer, sabe?

Isso foi acontecendo durante o ano passado (2024) e no início dessa temporada já veio um uma nova versão minha, sabe, de maturidade e tal… Eu sempre contei muito com o meu surf, ter habilidade, ser capaz de tirar uma nota alta quando eu precisava. Arriscar, pegar uma onda com menos qualidade e conseguir extrair uma nota mais alta. Mas eu sinto que esse ano eu estou conseguindo juntar mais isso. Pessoalmente, eu não acho que tive um ano até agora com uma performance tão absurda assim, sabe? Mas eu sinto que mesmo sem ter tido minha performance no 100% eu consegui entender melhor esse jogo e o que eu preciso fazer para passar cada bateria.

E é muito doido isso, né? O surf competição é muito diferente de só surfar, né?

Você não tem que ir lá e dar show em toda bateria, você tem que avançar. Tem que avançar. E esse ano eu sinto que aconteceu muito isso comigo, aprender a avançar, sabe? Tipo, vou passar esse round e depois vou passar mais outro round. Tomar as decisões certas e não botar outro cara em combinação ou tirar um nove, essas coisas. Eu consegui aprender isso e eu sinto que eu ainda tenho muita performance para entregar esse ano, sabe? Ainda não surfei exatamente do jeito que eu queria.

Acho que todos os campeonatos foram bem difíceis esse ano até agora, né? Teve muita condição diferente. Tanto é que a maioria dos eventos foram quase até o final da janela de espera. Então todos os eventos meio que foram uma maratona. De surfar um mar de um jeito, aí outra bateria já tava uma maré ruim, um vento estranho. Muita adaptação. E eu sinto que eu consegui me adaptar bem a esses momentos.

Eu comecei um trabalho com o Leandro da Silva também. Encerrei o trabalho com meu pai como treinador e ele fica na posição de pai só agora, né, na minha vida. Sinto que tem sido muito bom para mim, sabe, tipo, separar essas coisas assim. Ficou mais fácil o trabalho de treinador e atleta com uma pessoa de fora. E eu e o Lê, a gente se dá super bem, já se conhece desde criança, então a gente já tinha uma conexão fácil. A gente começou a trabalhar junto e foi muito natural. E, tipo, essa liberdade assim… é o treinador e o atleta, não tem mais nada ali no meio da relação.

Yago Dora surfando na piscina do Boa Vista Village_Foto Raphael Tognini
Yago Dora surfando na piscina do Boa Vista Village_Foto Raphael Tognini

Mudar é sempre bom quando traz um resultado positivo, né? Tipo, “tomei a decisão certa”. O que você acha que aconteceu em 2024 para você tomar essas decisões e sentir que as coisas se alinharam? Ah, eu sinto que eu tendo estado sempre ali sob a tutela do meu pai e, tipo, da família… Sempre tudo foi feito por mim, sabe?

Eu tava ali só surfando e o resto foi feito por mim. Quase que as vontades eram mais dos outros do que minhas em si, sabe? E eu sinto que o ano passado foi o ano de transição assim, eu assumir as rédeas da minha vida. Fiz 29 anos agora, esse mês. Foi essa transição assim, cara, eu sou um adulto. Comecei a sentir essa necessidade de aprender a fazer as coisas sozinho, tá ligado? Tipo, tenho que me virar.

Eu estava há muitos anos ali e meio que você vai deixando rolar. É o conforto, é muito fácil você ficar. “Ah, está confortável aqui, vamos indo, vamos empurrando”. Ano passado eu senti que foi a transição para mim, para eu começar aos poucos deixar as coisas da maneira que eu achava melhor para mim.

E eu sinto isso, essa força veio, sabe… Isso é o que eu quero, é a minha vontade, eu estou fazendo isso por mim. Isso é muito importante, né, no mundo da competição. Porque no fim é você que vai fazer o trabalho sujo ali, né? O teu pescoço que vai estar ali embaixo do lip, é o teu joelho que vai estar voltando do aéreo.

É você que no fundo vai lá, vai ter que tirar a tua força e conquistar as coisas. Então, esse ano já vim com essa versão, de garra assim, que eu sinto que eu nunca tive.

Pô, que legal, muito bom isso. Imagino que seja mesmo complicada essa tomada de decisão com mudanças importantes tanto no lado profissional quanto pessoal. Mas que bom que está rolando. E você e o Grilão estão de boa, né? Claro. Tipo, foi difícil, né? Claro que tem um baque e ele ficou chateado. Para mim foi uma decisão bem difícil de tomar porque são muitos anos.

Até para comunicar isso, né? Como é que eu vou falar e tal… É, exato. Tipo, eu sempre tive dificuldade de me colocar em primeiro plano, realmente falar o que eu queria, sabe? Eu sempre sou “deixa assim” para não incomodar os outros.

Não quero estragar a vibe, não quero deixar coisa ruim na casa ou, às vezes, até com meu pai trabalhando com outros atletas, por todo mundo estar na mesma casa eu meio que sempre fui esse cara de, tipo, tentar não pesar na vibe, sabe? Às vezes estou chateado com isso, mas, pô, não quero estragar porque tem mais gente aqui.

Eu comecei a querer me botar mais em primeiro assim, sabe? Foi difícil, né? Lógico, relação com o pai e tudo mais. Claro que dá uma abalada um pouco na relação por um tempo, mas a gente foi reconstruindo e esse trabalho dele aceitando também e principalmente vendo que esse trabalho está dando certo.

Estou colhendo os frutos disso, está funcionando. Então acho que isso tranquilizou ele bastante. Foi difícil, mas ele também vê que estou no caminho certo, as coisas estão fluindo e isso é bom.

Com certeza. Como você falou, é um processo de amadurecimento e isso não acaba nunca, né? Trazendo para o agora, para o seu surf. Você já é um cara experiente como surfista, já sabe do que seu surf é capaz. Qual é a diferença que você sente estando na parte de cima do ranking? O que isso te traz de pressão mas, principalmente, como motivação? Sim, é muito doido isso, né? Porque a gente sempre sonha em estar no topo, mas quando realmente está e quer se manter lá, é um nível de pressão muito diferente.

Até como exemplo, o que aconteceu no ano passado, em que eu comecei o ano super mal e passei o corte por uma vaga, né, em último. Ter passado ali em último e ainda ter me mantido, parece que deixou as coisas muito fáceis, sabe? Eu não tinha nada a perder, tipo, foda-se essa bateria, eu vou lá e vou quebrar, não tenho nada a perder.

E agora estando ali no topo, cada detalhe, cada ondinha é muito importante, né? É muito mais importante. Então, tem que tentar achar esse equilíbrio de conseguir saber dar importância às coisas, mas ao mesmo tempo conseguir se libertar dessa pressão para performar livre. Senão fica tudo muito forçado. Conseguir performar de uma maneira leve, mas sabendo da importância de cada decisão.

Acho que é isso o mais importante. E essa pressão de estar entre os cinco ali é uma bateria que você não passa e o outro passou e lá se vão três, quatro posições no ranking. Cada detalhe é muito importante, tem que trabalhar com atenção máxima.

É como se você estivesse competindo o tempo todo, né? É, é muito foco e o surf tem muitas variáveis. Mais do que qualquer outro esporte. Não é só tua habilidade ali, né? Você tem que tá muito conectado com a parada. Tanto é que muitas vezes não é só o esforço em si que te faz ter o resultado.

Muitas vezes, dando um exemplo que não acontece tanto no CT, mas pode acontecer em outros níveis, um cara lá focadão que treina todo dia e está encaixado perde para outro que foi pra night e aí na hora da bateria ali ganhou do cara, tá ligado? Pegou uma onda melhor e ganhou. O surf tem muitas variáveis, tem que saber se manter ali no ponto ideal.

Você é um cara que é super considerado pelo seu surf. Não é só aquela coisa dos títulos e passar baterias e estar no CT. Você pensa em não virar o cara que é só competidor e manter o surf de verdade te motivando? Sim, com certeza. E no fundo, surf é o que eu amo fazer. Eu nunca esqueço isso, sabe? Sei que tem muita gente que tem mentalidades diferentes e bota os títulos acima de tudo. Mas o que eu quero atingir, eu sei que não está acima de tudo, sabe? Eu não trocaria nenhum título pelo que eu tenho hoje, sabe? De fazer o que eu amo, viver do surf, ter uma família saudável, ter minha namorada, ter a vida que eu tenho.

A condição que o surf me deu eu não trocaria nem pelos 11 títulos que o Kelly tem, sei lá.

Yago Dora_Foto Raphael Tognini

Pra mim o título é a coroação da minha paixão, do meu trabalho.

Eu sinto que a competição e essa busca por algo grandioso, é grandioso pra gente, mas que em relação ao universo em geral é algo minúsculo.

Essa busca pela excelência, por dar o meu melhor a cada dia, ser um profissional melhor, uma pessoa melhor, isso é o que me faz evoluir, é o que me motiva, sabe? Então, isso é muito legal

Separando um pouco esses dois universos, o surf e a competição. O que você vê hoje que precisa ajustar para realmente brigar pelo título no circuito e o que que você gostaria de melhorar no seu surf? Pode ser a mesma coisa, mas pode não ser. Eu queria entender como você vê isso. É, acho que nos dois lados, a gente sempre tem onde evoluir, né?

Falando do lado da competição, é muito doido, é quase impossível você não cometer nenhum erro. Porque você está lidando com o mar que se mexe, com tua prancha, até a escolha da roupa de borracha que você vai surfar pode te atrapalhar no campeonato.

Então, muitas vezes você comete um erro e você fala: “Não, nunca mais vou cometer esse erro.” Daí duas semanas depois você comete exatamente o mesmo erro, tá ligado? E isso vai acontecer diversas vezes.

Então, sempre tem onde evoluir. Acho que o que eu mais busquei evoluir ultimamente na competição é saber os momentos que eu vou ter que só passar a bateria e o show vai ter que ficar guardado pro próximo round ou pra final.

O que importa é eu estar vivo no campeonato. Enquanto eu estiver vivo, eu vou ter oportunidade de surfar de novo e quem sabe dar um show no próximo round. Então é isso: se manter vivo, se manter no jogo o tempo todo. Essa coisa de não desistir, não vou entregar, ainda dá…

Essa garra que eu sempre achei que tive, mas eu sinto que hoje é muito melhor do que era antes, sabe? E no lado do surf também sempre tem o que evoluir. Eu me considero um dos melhores surfistas do mundo, mas eu sei que é muito doido: todo dia que eu vou surfar tem alguma coisa que eu poderia ter feito melhor.

O surf te mantém humilde de um certo jeito. Mesmo você tendo uma sessão muito boa, você vai ver as imagens e tem alguma manobra que na hora você achou que foi boa e você fala: “Pô, não foi do jeito que eu pensei. Dá pra fazer melhor.”

Então com a experiência veio isso, de eu sozinho saber me avaliar e saber o que eu gostaria de ter feito em tal onda ou em tal situação. É muito pessoal também, né? Sei lá, às vezes eu dei uma manobra que eu achei uma merda e o outro cara falou: “que manobra animal!” Então vai de você estar surfando de um jeito que você está orgulhoso do teu surf, te fazendo feliz. Você tem que buscar essa felicidade também.

Estar satisfeito com seu surf faz as coisas fluírem. Às vezes o cara vai para outros lados, sei lá, queria melhorar o surf em ondas grandes, ou entubar melhor de backside. Às vezes o cara se instiga em outras coisas, né? Vai olhar outro cara surfando, outras pranchas, enfim. É, exato. O trabalho é infinito, né? Pelo menos pra mim, né? Não sei se pra todos é assim, mas eu tô sempre tentando melhorar cada detalhezinho ali. Eu acho que eu posso ficar ainda mais confortável em onda grande de tubo.

Meu backside, que foi um problema nos meus primeiros anos no circuito, eu trabalhei bastante para conseguir me sentir confortável surfando de back e conseguir bons resultados de back também. Quando tinha esquerda eu estava confiante, mas em direita já era tipo, putz. E hoje em dia eu me sinto confortável para os dois lados, sabe? Então, é sempre um trabalho infinito.

Você tem algum plano de lançar um filme novo? Fazer alguma coisa que você ainda não fez no freesurf? Sim. Eu tenho vontade de fazer um filme meu. Já fiz várias edições e tal, e curtas. Tem o Ciclo, que a gente lançou em 2021 que foi o projeto mais pessoal que foi com o Bruno Zanin, mas eu tenho vontade de fazer um filme meu. Esse ano eu filmei um pouco pro Snapt 5, que está para sair. Mas acabou que durante a off season do ano passado eu tive umas lesõezinhas e acabei que não tive tanto tempo pra filmar, sabe? Então tem mais imagens das sessões de freesurf durante o CT mesmo.

Eu tinha o plano de que quando acabasse a temporada do ano passado, faria umas duas trips para juntar imagem pro filme e tal, mas acabou que não deu. Tive que ficar em casa e focar em recuperar, ficar 100%. Mas vai sair uma sessão minha no Snapt 5. E eu tenho plano para próxima off season produzir alguma coisa minha mesmo.

É difícil conciliar as duas coisas, ainda mais quando você está super no foco do título mundial, é super difícil mesmo. Sim, é. E cada vez mais, o circuito exige muito do nosso físico, do nosso mental. Tipo, quando acaba a temporada está todo mundo exausto mentalmente, fisicamente, cheio de dor, com tornozelo ruim, quadril ruim, mas a gente vai empurrando ali durante a competição. Quando acaba a temporada, vem aquela coisa, sabe? Tipo, uma baixa. Parece aquela depressão pós-surf trip, sabe?

Quando você estava pegando altas ondas, naquela adrenalina, chegou no Brasil no verão, mar horrível, sei lá. É meio que essa sensação. Eu tenho um pouco isso depois de cada evento. Um dia depois que acaba eu só quero ficar morgando, é muito exaustivo, sabe? E aí é um processo para recomeçar e ir pro próximo. Depois da temporada vem tudo isso junto. Então dar esse reset, começar a cuidar do corpo e gradativamente se preparar pra próxima temporada.

Tem razão. Acho que o mais difícil é ficar dando esse reset a cada 15 dias, né? Isso deve custar muito para a cabeça. Sim. É muito estressante. Esse ano quase todos os eventos foram até o último ou penúltimo dia da janela de espera. Então, imagina, duas semanas inteiras ali, com atenção total e foco total.

E quando o evento está off você continua com a cabeça lá, não é? Sim, você até consegue desligar às vezes, mas no fundo você tá sempre ali, mesmo no off, organizando teu tempo para ter uma performance boa quando voltar pro evento. É aquele foco mental o tempo todo. Ao final de cada evento, acaba minha energia por um, dois dias, e aí depois você dá esse reset. Quando você chega no pico e já rola o campeonato nos primeiros três, quatro dias, parece que fica mais fácil.

Yago Dora_Foto Raphael Tognini

E você curtiu as mudanças para o ano que vem? Pipe na última etapa, o fim do corte no meio do ano. Como é que você vê essas mudanças? Sim, cara, achei super legal assim. Acho que era o que os atletas já estavam há algum tempo pedindo, os fãs também, de voltar a meio que ser o dream tour, né, que a gente cresceu assistindo e sonhando em fazer parte.

Sempre foi aquela coroação em Pipe para o melhor surfista do ano. Mas algo que eu

gostava no formato do Finals era o lance do número um ter que enfrentar o número dois para ver quem é o melhor, sabe? Isso é difícil de acontecer durante a temporada regular porque eles estão em chaves opostas. Então raramente o número dois tem de derrubar o número um mais cedo no campeonato.

Tipo, o seeding vai mantendo eles com uma certa vantagem de chegar até a final e é difícil os dois chegarem na final. Sempre meio que eles tão tendo bons resultados, porque o

número três, o dois ou o quatro não tiveram chance de derrubar o um mais cedo no evento. Então o um vai disparando. Mas acho que isso que eles fizeram, com Pipe valendo 15 mil pontos ao invés de 10 mil, dá mais chance disso acontecer, de ser a etapa definitiva mesmo pro título.

Irado, cara. É isso, queria te agradecer demais pelo tempo para gente ter essa conversa. Foi bom demais. Valeu, obrigado. É nóis.

Publicado originalmente na edição impressa nº 03 da Revista Flamboiar. Para saber mais, clique aqui

texto por Junior Faria

fotos por Raphael Tognini

Parece exagero, mas Yago Dora é tudo isso mesmo. Estilo, aéreos para os dois lados com variações, surf de linha e radical na mesma intensidade. Um surfista respeitado pelo que faz no freesurf e que foi abraçado pela mídia internacional até antes de entrar no CT, em 2018. Hoje, na sua sétima temporada entre os 34 melhores do mundo, ele está no topo do ranking e a uma bateria do seu primeiro título mundial. Uma disputa que nos últimos 11 anos foi vencida sete vezes por quatro brasileiros: Gabriel Medina, Adriano de Souza, Filipe Toledo e Italo Ferreira. Nenhum outro surfista do Brasil foi campeão mundial até agora.

E então tem o Yago.

Antes de ser um grande competidor, Yago é um surfista de alma. Carrega no seu estilo dentro d’água a esperança de milhares de fãs ao redor do mundo de assistir a uma performance digna de sessão de filme de surf durante uma bateria do CT. Poucos surfistas na história capturam a admiração dos fãs dessa maneira. Há cinco dias do início da janela do Trestles Pro, e recém saído de uma sessão de surf em Lowers, às 15h15 de uma quarta-feira, Yago apareceu sorridente para essa conversa.

Yago Dora surfando na piscina do Boa Vista Village_Foto Raphael Tognini

Você está em um momento muito legal de carreira, de maturidade como competidor e também como surfista. Chegar no top cinco é casca grossa, é para quem quer muito! E para quem pode também, né. Disputar um título mundial é para quem está a fim de encarar isso. Eu queria entender a sua cabeça, como é que você vê esse seu momento. Porque a gente, aqui de fora, vê uma coisa. Mas seria legal entender como é que você se sente. Eu sinto que desde o ano passado eu tive uma uma transição muito grande na minha vida, tanto como competidor quanto pessoal.

Assim, maturidade e tal, de conseguir me entender melhor e entender o que eu realmente quero, o que funciona melhor para mim, e encaixar essa rotina do jeito que eu gosto e isso estar funcionando, sabe? Tipo, conseguir dar meu melhor e me manter motivado e ao mesmo tempo, fazendo isso tudo do jeito que eu gosto de fazer, sabe?

Isso foi acontecendo durante o ano passado (2024) e no início dessa temporada já veio um uma nova versão minha, sabe, de maturidade e tal… Eu sempre contei muito com o meu surf, ter habilidade, ser capaz de tirar uma nota alta quando eu precisava.

Arriscar, pegar uma onda com menos qualidade e conseguir extrair uma nota mais alta. Mas eu sinto que esse ano eu estou conseguindo juntar mais isso. Pessoalmente, eu não acho que tive um ano até agora com uma performance tão absurda assim, sabe? Mas eu sinto que mesmo sem ter tido minha performance no 100% eu consegui entender melhor esse jogo e o que eu preciso fazer para passar cada bateria.

E é muito doido isso, né? O surf competição é muito diferente de só surfar, né?

Você não tem que ir lá e dar show em toda bateria, você tem que avançar. Tem que avançar. E esse ano eu sinto que aconteceu muito isso comigo, aprender a avançar, sabe? Tipo, vou passar esse round e depois vou passar mais outro round. Tomar as decisões certas e não botar outro cara em combinação ou tirar um nove, essas coisas. Eu consegui aprender isso e eu sinto que eu ainda tenho muita performance para entregar esse ano, sabe?

Ainda não surfei exatamente do jeito que eu queria. Acho que todos os campeonatos foram bem difíceis esse ano até agora, né? Teve muita condição diferente. Tanto é que a maioria dos eventos foram quase até o final da janela de espera. Então todos os eventos meio que foram uma maratona. De surfar um mar de um jeito, aí outra bateria já tava uma maré ruim, um vento estranho. Muita adaptação. E eu sinto que eu consegui me adaptar bem a esses momentos.

Comecei um trabalho com o Leandro da Silva também. Encerrei o trabalho com meu pai como treinador e ele fica na posição de pai só agora, né, na minha vida. Eu sinto que tem sido muito bom para mim, sabe, tipo, separar essas coisas assim.

Ficou mais fácil o trabalho de treinador e atleta com uma pessoa de fora. Eu e o Lê, a gente se dá super bem, já se conhece desde criança, então a gente já tinha uma conexão fácil. A gente começou a trabalhar junto e foi muito natural. E, tipo, essa liberdade assim… é o treinador e o atleta, não tem mais nada ali no meio da relação.

Yago Dora surfando na piscina do Boa Vista Village_Foto Raphael Tognini

Mudar é sempre bom quando traz um resultado positivo, né? Tipo, “tomei a decisão certa”. O que você acha que aconteceu em 2024 para você tomar essas decisões e sentir que as coisas se alinharam? Ah, eu sinto que eu tendo estado sempre ali sob a tutela do meu pai e, tipo, da família… Sempre tudo foi feito por mim, sabe? Eu tava ali só surfando e o resto foi feito por mim. Quase que as vontades eram mais dos outros do que minhas em si, sabe?

Sinto que o ano passado foi o ano de transição assim, eu assumir as rédeas da minha vida. Fiz 29 anos agora, esse mês. Foi essa transição assim, cara, eu sou um adulto. Comecei a sentir essa necessidade de aprender a fazer as coisas sozinho, tá ligado? Tipo, tenho que me virar.

Eu estava há muitos anos ali e meio que você vai deixando rolar. É o conforto, é muito fácil você ficar. “Ah, está confortável aqui, vamos indo, vamos empurrando”. Ano passado eu senti que foi a transição para mim, para eu começar aos poucos deixar as coisas da maneira que eu achava melhor para mim.

E eu sinto isso, essa força veio, sabe… Isso é o que eu quero, é a minha vontade, eu estou fazendo isso por mim. Isso é muito importante, né, no mundo da competição. Porque no fim é você que vai fazer o trabalho sujo ali, né?

O teu pescoço que vai estar ali embaixo do lip, é o teu joelho que vai estar voltando do aéreo. É você que no fundo vai lá, vai ter que tirar a tua força e conquistar as coisas. Então, esse ano já vim com essa versão, de garra assim, que eu sinto que eu nunca tive.

Yago Dora surfando na piscina do Boa Vista Village_Foto Raphael Tognini

Pô, que legal, muito bom isso. E eu imagino que seja mesmo complicado essa tomada de decisão com mudanças importantes tanto no lado profissional quanto pessoal. Mas que bom que está rolando. E você e o Grilão estão de boa, né? Claro. Tipo, foi difícil, né? Claro que tem um baque e ele ficou chateado. Para mim foi uma decisão bem difícil de tomar porque são muitos anos.

Até para comunicar isso, né? Como é que eu vou falar e tal… É, exato. Eu sempre tive dificuldade de me colocar em primeiro plano, realmente falar o que eu queria, sabe? Tipo, eu sempre sou “deixa assim” para não incomodar os outros. Não quero estragar a vibe, não quero deixar coisa ruim na casa ou, às vezes, até com meu pai trabalhando com outros atletas, por todo mundo estar na mesma casa eu meio que sempre fui esse cara de, tipo, tentar não pesar na vibe, sabe? Às vezes estou chateado com isso, mas, pô, não quero estragar porque tem mais gente aqui.

Eu comecei a querer me botar mais em primeiro assim, sabe? Foi difícil, né? Lógico, relação com o pai e tudo mais. Claro que dá uma abalada um pouco na relação por um tempo, mas a gente foi tipo reconstruindo e esse trabalho dele aceitando também e principalmente vendo que esse trabalho está dando certo. Estou colhendo os frutos disso, está funcionando. Então acho que isso tranquilizou ele bastante. Foi difícil, mas ele também vê que estou no caminho certo, as coisas estão fluindo e isso é bom.

Miguel e Samuel Pupo montando quebra-cabeça durante etapa do CT no Hawaii

Com certeza. Como você falou, é um processo de amadurecimento e isso não acaba nunca, né? Trazendo para o agora, para o seu surf. Qual é a diferença que você sente estando na parte de cima do ranking? O que isso te traz de pressão mas, principalmente, como motivação? Sim, é muito doido isso, né? Porque a gente sempre sonha em estar no topo, mas quando realmente está no topo e quer se manter lá, é um nível de pressão muito diferente.

Até como exemplo, o que aconteceu no ano passado, em que eu comecei o ano super mal e passei o corte por uma vaga, né, em último. Ter passado ali em último e ainda ter me mantido, parece que deixou as coisas muito fáceis, sabe? Eu não tinha nada a perder, tipo, foda-se essa bateria, eu vou lá e vou quebrar, não tenho nada a perder. E agora estando ali no topo, cada detalhe, cada ondinha é muito importante, né? É muito mais importante.

Tem que tentar achar esse equilíbrio de conseguir saber dar importância às coisas, mas ao mesmo tempo conseguir se libertar dessa pressão para performar livre. Senão fica tudo muito forçado. Conseguir performar de uma maneira leve, mas sabendo da importância de cada decisão.

Acho que é isso o mais importante. E essa pressão de estar entre os cinco ali é uma bateria que você não passa e o outro passou e lá se vão três, quatro posições no ranking. Então cada detalhe é muito importante, tem que trabalhar com atenção máxima.

Yago Dora_Foto Raphael Tognini

Como se você estivesse competindo o tempo todo, né? É, é muito foco e o surf tem muitas variáveis. Mais do que qualquer outro esporte. Não é só tua habilidade ali, né? Você tem que tá muito conectado com a parada. Tanto é que muitas vezes não é só o esforço em si que te faz ter o resultado.

Muitas vezes, dando um exemplo que não acontece tanto no CT, mas pode acontecer em outros níveis, um cara lá focadão que treina todo dia e está encaixado perde para outro que foi pra night e aí na hora da bateria ali ganhou do cara, tá ligado? Pegou uma onda melhor e ganhou. O surf tem muitas variáveis, tem que saber se manter ali no ponto ideal.

Você é um cara que é super considerado pelo seu surf. Não é só aquela coisa dos títulos e passar baterias e estar no CT como top cinco e tal. Você pensa em não virar o cara que é só competidor e manter o surf de verdade te motivando? Sim, com certeza. No fundo, surf é o que eu amo fazer. Eu nunca esqueço isso, sabe? Sei que tem muita gente que tem mentalidades diferentes e bota os títulos acima de tudo. Mas o que eu quero atingir, eu sei que não está acima de tudo, sabe? Eu não trocaria nenhum título pelo que eu tenho hoje, sabe? De fazer o que eu amo, viver do surf, ter uma família saudável, ter minha namorada, ter a vida que eu tenho.

A condição que o surf me deu eu não trocaria nem pelos 11 títulos que o Kelly tem, sei lá.

Então, pra mim o título é a coroação da minha paixão, do meu trabalho. E eu sinto que a competição e essa busca por algo grandioso, é grandioso pra gente, mas que em relação ao universo em geral é algo minúsculo. Essa busca pela excelência, por dar o meu melhor a cada dia, ser um profissional melhor, uma pessoa melhor, isso é o que me faz evoluir, é o que me motiva, sabe?

Separando um pouco esses dois universos, o surf e a competição. O que você vê hoje que precisa ajustar para brigar pelo título no circuito e o que que você gostaria de melhorar no seu surf? Pode ser a mesma coisa, mas pode não ser. Eu queria entender como você vê isso. É, acho que nos dois lados, a gente sempre tem onde evoluir, né? Falando do lado da competição, é muito doido, é quase impossível você não cometer nenhum erro. Porque você está lidando com o mar que se mexe, com tua prancha, até a escolha da roupa de borracha que você vai surfar pode te atrapalhar no campeonato.

Então, muitas vezes você comete um erro e você fala: “Não, nunca mais vou cometer esse erro.” Daí duas semanas depois você comete exatamente o mesmo erro, tá ligado? E isso vai acontecer diversas vezes. Sempre tem onde evoluir. Acho que o que eu mais busquei evoluir ultimamente na competição é saber os momentos que eu vou ter que só passar a bateria e o show vai ter que ficar guardado pro próximo round ou pra final.

O que importa é eu estar vivo no campeonato. Enquanto eu estiver vivo, eu vou ter oportunidade de surfar de novo e quem sabe dar um show no próximo round. Então é isso: se manter vivo, se manter no jogo o tempo todo. Essa coisa de não desistir, não vou entregar, ainda dá… Essa garra que eu sempre achei que tive, mas eu sinto que hoje é muito melhor do que era antes, sabe?

E no lado do surf também sempre tem o que evoluir. Eu me considero um dos melhores surfistas do mundo, mas eu sei que é muito doido: todo dia que eu vou surfar tem alguma coisa que eu poderia ter feito melhor.

O surf te mantém humilde de um certo jeito. Mesmo você tendo uma sessão muito boa, você vai ver as imagens e tem alguma manobra que na hora você achou que foi boa e você fala: “Pô, não foi do jeito que eu pensei. Dá pra fazer melhor.” Então com a experiência veio isso, de eu sozinho saber me avaliar e saber o que eu gostaria de ter feito em tal onda ou em tal situação.

É muito pessoal também, né? Sei lá, às vezes eu dei uma manobra que eu achei uma merda e o outro cara falou: “que manobra animal!” Então vai de você estar surfando de um jeito que você está orgulhoso do teu surf, te fazendo feliz. Você tem que buscar essa felicidade também.

Estar satisfeito com seu surf faz as coisas fluírem. Às vezes o cara vai para outros lados, sei lá, queria melhorar o surf em ondas grandes, ou entubar melhor de backside. Às vezes o cara se instiga em outras coisas, né? Vai olhar outro cara surfando, outras pranchas, enfim. É, exato. O trabalho é infinito, né? Pelo menos pra mim. Não sei se pra todos é assim, mas eu tô sempre tentando melhorar cada detalhezinho ali. Eu acho que eu posso ficar ainda mais confortável em onda grande de tubo.

Meu backside, que foi um problema nos meus primeiros anos no circuito, eu trabalhei bastante para conseguir me sentir confortável surfando de back e conseguir bons resultados de back também. Quando tinha esquerda eu estava confiante, mas em direita já era tipo, putz. E hoje em dia eu me sinto confortável para os dois lados, sabe? Então, é sempre um trabalho infinito.

E no freesurf, você tem algum plano de lançar um filme novo? Fazer alguma coisa que você ainda não fez no freesurf? Sim. Tenho vontade de fazer um filme meu. Já fiz várias edições e tal, e curtas. Tem o Ciclo, que a gente lançou em 2021 que foi o projeto mais pessoal que foi com o Bruno Zanin, mas eu tenho vontade de fazer um filme meu. E esse ano eu filmei um pouco pro Snapt 5, que está para sair.

Mas acabou que durante a off season do ano passado eu tive umas lesõezinhas e acabei que não tive tanto tempo pra filmar, sabe? Então tem mais imagens das sessões de freesurf durante o CT mesmo. Eu tinha o plano de que quando acabasse a temporada do ano passado, faria umas duas trips para juntar imagem pro filme e tal, mas acabou que não deu. Tive que ficar em casa e focar em recuperar, ficar 100%. Mas vai sair uma sessão minha no Snapt 5. E eu tenho plano para próxima off season produzir alguma coisa minha mesmo.

É difícil conciliar as duas coisas, ainda mais quando você está super no foco do título mundial, é super difícil mesmo. Sim, é muito estressante. Esse ano quase todos os eventos foram até o último ou penúltimo dia da janela de espera. Então, imagina, duas semanas inteiras ali, com atenção total e foco total.

Quando o evento está off você continua com a cabeça lá, não é? Sim, você até consegue desligar às vezes, mas no fundo você tá sempre ali, mesmo no off, organizando teu tempo para ter uma performance boa quando voltar pro evento. Então é aquele foco mental o tempo todo. Ao final de cada evento, acaba minha energia por um, dois dias, e aí depois você dá esse reset. Quando você chega no pico e já rola o campeonato nos primeiros três, quatro dias, parece que fica mais fácil.

E você curtiu as mudanças para o ano que vem? Pipe na última etapa, o fim do corte no meio do ano. Como é que você vê essas mudanças? Sim, cara, achei super legal assim. Acho que era o que os atletas já estavam há algum tempo pedindo, os fãs também, de voltar a meio que ser o dream tour, né, que a gente cresceu assistindo e sonhando em fazer parte. Sempre foi aquela coroação em Pipe para o melhor surfista do ano.

Mas algo que eu gostava no formato do Finals era o lance do número um ter que enfrentar o número dois para ver quem é o melhor, sabe? Isso é difícil de acontecer durante a temporada regular porque eles estão em chaves opostas. Então raramente o número dois tem de derrubar o número um mais cedo no campeonato.

Tipo, o seeding vai mantendo eles com uma certa vantagem de chegar até a final e é difícil os dois chegarem na final. Sempre meio que eles tão tendo bons resultados, porque o número três, o dois ou o quatro não tiveram chance de derrubar o um mais cedo no evento. Então o um vai disparando. Mas acho que isso que eles fizeram, com Pipe valendo 15 mil pontos ao invés de 10 mil, dá mais chance disso acontecer, de ser a etapa definitiva mesmo pro título.

Irado, cara. É isso, queria te agradecer demais pelo tempo para gente ter essa conversa. Foi bom demais. Valeu, obrigado. É nóis.

Publicado originalmente na edição impressa nº 02 da revista Flamboiar. Para saber mais, clique aqui.