Se você acha que bodyboard é surf para quem não consegue ficar em pé na prancha, saiba que você pode estar passando vergonha como um surfista desinformado. Neste episódio do Surf de Mesa, Junior Faria, Carolina Bridi e Raphael Tognini conversaram com o bodyboarder Renan Faccini sobre os motivos pelos quais o bodyboard ainda é tão mal compreendido no Brasil. Mesmo acumulando mais de 30 títulos mundiais, o esporte é pouco difundido na mídia. E o resultado disso, naturalmente, é desinformação que gera uma visão distorcida.

“Tem gente que nunca teve muito acesso ao esporte. Se você olhar para o surfista padrão, que surfa sempre em um mesmo lugar, não dá pra esperar que ele entenda que o bodyboard é mais do que isso. Mas se você pegar surfistas que vão atrás de ondas, uma hora ou outra eles vão encontrar uma situação em que vão ver outra linha de surf. É como comparar o surf da pessoa que está começando com o surf do profissional. O preconceito existe sim, mas mais para as pessoas que não fazem a mínima ideia do que realmente é o esporte”, diz Renan.

É natural que as pessoas formem uma opinião a partir daquilo que elas viram. O problema é que a maioria das pessoas viram muito pouco. Um surfista comum, provavelmente, vê o bodyboarder iniciante na praia que costuma surfar e, na memória, tem o boom do esporte nos anos 80, quando as bodyboarders brasileiras iniciaram um verdadeiro rapa nos títulos mundiais da modalidade. Mais tarde, já na década de 90, o Brasil despontou também na categoria masculina. É um dos esportes em que o Brasil mais acumula resultados.

Por que o bodyboard não tomou a mesma proporção que o surf?

Segundo Renan, um dos problemas é que o bodyboard não é um esporte bonito de se ver em ondas normais do dia a dia. É preciso muita energia de onda e ondas específicas para a estética do esporte sobressair. Isso torna tudo mais complicado. “Você não consegue dar aqueles aéreos loucos que o Filipe Toledo dá em ondas pequenas, sem energia nenhuma. E hoje, o tour é isso, só aéreo, manobra radical. Então, esse é um dos pontos. Não é um esporte legal de se ver em ondas básicas”.

O surf, como todos sabemos, depende de condições naturais. No caso do surf de bodyboard, depende de condições naturais extremas. Atualmente, no Brasil, Itacoatiara, em Niterói, Rio de Janeiro, sedia uma etapa mundial. “É bonito de se ver, mas é uma etapa”, observa. Precisa mais do que isso para fomentar massivamente. Mas há questões envolvidas. Qual outro lugar poderia ter uma etapa de bodyboard? Quanto tempo de janela precisa? Vai ter swell em final de semana para atrair público?

São todas perguntas que tornam o investimento bastante arriscado. “A última etapa que eu vi do mundial de surf na Barra, o mar estava horrível, e o pessoal dando uns aéreos gigantes. Se fosse bodyboard, não ia ser impactante. Nas condições certas para o bodyboard, você vê o pessoal saindo de ambulância, quase morrendo afogado. O problema é que a gente depende da natureza, e o bodyboard depende muito mais do que o surf”, explica.

Renan Faccini. Foto: @rudolphlomax

As condições ideais

Enquanto no surf o vento maral é preferível porque segura mais a prancha no pé, o bodyboard precisa de um mar liso. Também por esse motivo, é mais fácil ver o surf extremo do que o bodyboard extremo. Por isso, também produzir um vídeo de bodyboard é mais difícil e demanda mais tempo de captação em busca das ondulações possíveis. Evento, então, é muito difícil cair em um dia assim.

Existem picos ideais no Brasil. O problema, segundo Renan, é saber quando eles vão funcionar extremamente. Isso significa que, quando se leva para o lado competitivo, o patrocinador e a estrutura se tornam mais complexos. Uma estrutura ideal para evento de bodyboard, precisando de condição extremas, pode levar a uma janela de espera de 30 dias com estrutura montada. E ainda assim, para atrair o público, contar com a sorte para o swell vir em um final de semana. “No bodyboard, é como se todas etapas fossem a etapa de surf de Pipeline”, compara.

Uma mãozinha do Slasher

Dada a dificuldade de encontrar as condições, o slasher é uma mão na roda. Digo, na prancha. Slasher é uma máquina portátil que puxa o bodyboarder de 0 a 60 quilômetros em segundos. Cabe em um porta-malas de carro e pode ser facilmente carregado até um lugar estratégico da praia. Com ele, é possível voar alto mesmo em ondas pequenas e fazer manobras que seriam possíveis somente em condições naturais perfeitas. Pensando que é normalmente quando está pequeno que se tem os mares mais lisos, o slasher é ideal para conseguir projetar as manobras extremas com um bodyboard.

E isso é de grande valia num ambiente em que o atleta só é considerado profissional se surfar no extremo. Voltando ao surf de pé, trata-se de um comparativo sem referência. “Existem surfistas que só surfam ondas pequenas e destroem, têm altos patrocínios. Ele é considerado profissional no surf. No meio do bodyboard, a gente não considera isso profissional. Pode ser um cara que ganha títulos e tal, mas, entre os bodyboarders, não será considerado profissional”, conta. É uma cena muito go for it.

Renan Faccini. Foto: @rudolphlomax

Então, como viver do bodyboard?

Renan teve o primeiro contato com o esporte na infância, quando morava nos Estados Unidos. Com bronquite, a recomendação era estar em contato com o mar. Mas na praia onde surfava, a onda era muito cavada e ele, vendo os profissionais, tomou gosto. Foi só quando voltou ao Brasil, uns 20 anos atrás, que se enturmou com vários outros bodyboarders e começou a competir. Esse era o caminho natural por aqui. Quando percebeu que o estresse do clima de competição não gerava o mesmo prazer, Renan se voltou ao freesurf.

Às vezes, ainda cai de paraquedas em uma etapa ou outra, como a última do mundial antes da pandemia congelar o tour, no Peru. Presente no país para ajudar na promoção da Crow, sua própria marca, que tem uma grande estrutura no país e patrocinava o evento, entrou com um wild card por livre e espontânea pressão dos organizadores. “Não gosto de competir porque se torna um negócio muito tenso. Mas entrei porque no final soube que seria mancada negar. O pessoal que tem a marca lá já tinha prometido”. Mesmo sem estar no rip, acabou ficando em 3º lugar.

No freesurf, o foco é outro. Por isso, há bastante tempo decidiu investir em viajar para fazer e lançar os próprios filmes. Assim, ganhou um grande reconhecimento internacional. No Brasil, mesmo com tantos títulos mundiais e nomes destacados, como Guilherme Tâmega, Paulo Barcellos, Uri Valadão, Glenda Koslowski, Neymara Carvalho e muitas outras bodyboarders, o esporte teve uma queda depois do boom. Ele atribui isso a escolhas erradas feitas pelas pessoas envolvidas à época no circuito mundial.

Renan Faccini. Foto: @rudolphlomax

Freesurf e desenvolvimento de produtos

Mesmo indo bem, não tinha prazer na energia competitiva. Foi então que começou a investir em imagem e estudar os materiais dos equipamento. Estava sempre querendo aprimorar as linhas de assinatura de pé de pato e de prancha nas marcas patrocinadoras, e isso começou a refletir nas vendas. Aí viu que podia  viver do esporte com o freesurf, fazendo o que gostava sem o stress de competir. Passou a gerar conteúdo e desenvolveu seus próprios produtos, pranchas, equipamentos e dessa forma vive 100% do bodyboard.

“Procuro ver o lado positivo. O futebol não vive uma boa fase. O surf despontou no cenário mundial porque realmente está muito difícil competir com a constância e títulos dos surfistas brasileiros. Para o bodyboard é mais difícil, mas eu enxergo isso como oportunidade. No surf, existem muitas marcas. No bodyboard, não. Então a concorrência é muito menor”, diz. Hoje, no mercado nacional, só Renan e Guilherme Tamega trabalham com o desenvolvimento de equipamentos profissionais de alto nível por utilizarem material importado. A realidade é que é muito caro trazer as máquinas para o Brasil. Vendendo muito no Brasil, mas também para fora, é justamente no mercado altamente nichado (porque de certa forma, renegado) que mora a chance de viver do esporte.

Mostrar o que as pessoas não vêem

É natural que as pessoas formem uma opinião a partir daquilo que elas viram durante a vida. E do bodyboard, elas provavelmente viram muito pouco. Fato é que o preconceito, antigamente, talvez incomodasse muito mais. Segundo Renan, isso mudou um pouco quando surgiu as redes sociais, que permitiu ao bodyboard ser mais notado. “O cara que surfa, provavelmente, vê na praia o bodyboarder mais iniciante. Se você coloca no canal de Pipeline, ela vai olhar e dizer: ´Peraí, o que tá acontecendo?´ Então, vamos dizer o quê pra pessoa que não viu?”, pergunta Renan. E gente responde: Não precisa dizer, basta mostrar. Por isso, aí estão os links mencionados durante o episódio.

Mas se você ainda não se convenceu, ouve direto do próprio Renan nesse episódio extremo do Surf de Mesa:

 

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