Para ele, tudo que brilha é ouro. Especialmente se tiver duas quilhas ou menos.

 

“Se seu objetivo for nada, você vai alcançar isso sempre?” Não sei quem disse isso, mas parece explicar um tipo de comportamento peculiar. Especialmente daqueles mais “antenados” e que curtem uma “pegada retrô”. Aliás, o que é retrô, exatamente?

Deve ser o nome do fenômeno que faz tanta gente amar o Alex Knost e imaginar que o Thomas Rittscher* é primo do dublador de filmes da Globo. Mas quem se importa?

O que interessa mesmo é aquela selfie, domingo de manhã, antes de ir à praia. Na foto, o recém adquirido kit-hipster-praiano: uma monoquilha “retrô” (mais redundante que água molhada), óculos de sol iguais aos que o Kai Neville usa para fumar cigarro na França, e a bermuda “sustentável” feita de plástico reciclado, mais cara que um carro popular.

São os especialistas autodeclarados, ou posers, ou pregos mesmo. Turma que falha vergonhosamente ao esconder a ignorância atrás de um discurso emprestado do Instagram.

Repetem termos tão vagos quanto bregas, como “old school” e “conceitual” (entre outros ainda mais vazios) e viram piada quando encomendam uma prancha nova. Pra piorar, ainda tem aquela atitude “quero-minha-5’11-com-27.3-litros-de-volume-e-double-concave-porque-li-na-revista”. Atestado de prego irremediável.

Cada época tem seu brilho, seu valor e sua imbecilidade. Gosta de história? Estude. Gosta de surfar? Vá pra água. Quer entender sobre pranchas? Converse com seu shaper. Surfar com uma tábua, com um quilha, duas ou quatro não é retrô. Não é cool. Não é moda. Não te deixa mais bonito.

Surfe pra se expressar, não para copiar. Surfe para você, não para os outros. Surfe para se divertir.

Ontem, pelo whatsapp, eu conversava com um amigo sobre longboard. Ele me disse que viu o Phil Edwards surfando em um vídeo e não achou nada de mais. Eu respondi que, no futuro, provavelmente, alguém vai assistir ao Medina em um filme e dizer a mesma coisa.

Apareceram dois traços azuis ao lado da mensagem, mas ninguém respondeu.

 

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* Não, Thomas não é da família do produtor de filmes Herbert Richers, que, em 1942, fundou o primeiro estúdio de dublagem do Brasil. Thomas Rittscher Junior, americano radicado no Brasil, vinha de uma família tradicional de exportadores de café e era esportista amador. No começo da década de 30, inspirado por um artigo de uma revista americana de engenharia, fabricou uma prancha de surfe e pegou onda com ela nas praias de Santos e São Vicente, no litoral de São Paulo. Ao lado de sua irmã, Margot Rittscher, e do amigo Osmar Gonçalves, ele é considerado pioneiro do surfe no Brasil. Thomas morreu em 2011, aos 94 anos.