Hoje estreia com exibição exclusiva na Globoplay o filme sobre a trajetória de Gabriel Medina. Ainda que a maioria dos surfistas tenha acompanhado grande parte dessa trajetória em tempo real, o documentário de 80 minutos traz facetas ainda desconhecidas da vida e personalidade do surfista brasileiro mais midiático que o Brasil conheceu até hoje.

A escolha do diretor Daniel Henrique pelo roteirista Lucas Paraizo para estruturar a narrativa do filme não foi por acaso. Um assumido haole no surf, mas largamente experiente e bem-sucedido na arte de contar histórias para uma audiência massiva como a atingida pela Globo, Paraizo contou para a Flamboiar durante o pré-lançamento do filme que quando entrou no projeto, seu objetivo era de que as pessoas, no começo do filme, esquecessem que aquela era a história de um campeão mundial. “Queria que as pessoas transcendessem isso e se emocionassem com a história de um cara que, por acaso, é o Gabriel Medina”.

Intrigado com o convite, já que nada conhecia sobre o surf ou Medina além de saber que se tratava do primeiro bicampeão brasileiro da modalidade, Paraizo só se convenceu de que fazia sentido se envolver no projeto quando Henrique explicou que a ideia era fazer um filme de surf não só para surfista. “A proposta dele (Henrique) era exatamente ampliar a imagem do Gabriel, era mostrar que por trás de um campeão, existia um cara, um personagem, um menino brasileiro com uma história de perda, de abandono, mas também com uma história de vitória. Foi aí que eu falei: acho que isso eu consigo fazer”, contou.

Henrique Daniel, Gabriel Medina e Lucas Paraizo dão entrevista em pré-lançamento do filme

Henrique Daniel, Gabriel Medina e Lucas Paraizo. Foto: Globo/Bill Cardoso

Um filme de surf para não surfistas

Se para o roteirista o desafio foi entender o universo do surf, para o diretor foi diferenciar a linguagem utilizada nos mais de 120 episódios exibidos ao longo das sete temporadas do programa Mundo Medina, veiculado pelo Canal OFF desde 2013 e com a 8ª temporada já garantida na programação de 2020.

“A ideia de trazer o Lucas foi para ajudar a falar com o mundo. Falar numa linguagem que permitisse o entendimento pelas pessoas que não são do segmento. Um filme mais interessante para estas pessoas”, disse o diretor durante a pré-estreia. “Quando falo que a estratégia do filme foi não ser segmentada para o surfista, não é tanto em relação à quantidade de surf, mas sim de qual contexto está inserido esse surf”, explicou, admitindo que seria impossível não ter muita onda sendo surfada.

O cuidado, segundo ele, foi em não tornar isso massivo para os não aficionados pelo esporte. Para isso, precisava evitar vícios da linguagem com a qual já estava completamente acostumado. Afinal, além de estar há quase uma década trabalhando com o surfista na produção do Mundo Medina, a estrutura do programa acabou servindo como fórmula para outros que vieram em seguida na sua lista de produções para o canal. Entre elas, as também séries documentais que acompanham as rotinas da surfista Tatiane Weston-Webb e da skatista Leticia Bufoni, entre outros atletas de esportes radicais.

Satisfeito, ele considerou fundamental para atingir esse objetivo a parceria com Paraizo durante a construção da narrativa que chega às telas. O trabalho de um situando o outro no equilíbrio de vocabulários e linguagens durou um ano até o resultado final, exibido pela primeira vez nesta quarta, 29, em um evento para família, amigos, convidados especiais e imprensa no Cinemark Prime do Shopping Cidade Jardim. A essa altura, você já deve saber que Anitta, Neymar pai, Rubens Barrichello, Thiaguinho e grande elenco prestigiaram o amigo em sua mais nova realização. Mas aqui na Flamboiar a gente elucida para você, caro surfista, se vale a pena assinar a plataforma de streaming da Globo caso seu único objetivo seja ter acesso ao filme.

Gabriel Medina e Anitta no pré-lançamento do filme

Gabriel Medina e Anitta. Foto: Globo/Bill Cardoso

Se você não é o principal público-alvo, vale pagar para ver?

Durante o ano de 2019, o trabalho intenso em cima de pesquisa, roteiro, montagem, seleção de imagens em extenso arquivo e novas captações acabou resultando na descoberta de muita coisa inédita. “A gente cavucou muita coisa e a família foi muito generosa, não só em contar a história, mas também em permitir o uso de imagens particulares para podermos mostrar essa história”, disse Paraizo.

Isso, por si só, vale o investimento? Para os grandes fãs de Medina e a família brasileira que busca a emoção fácil das trajetórias de superação da clássica jornada do herói, certamente sim. Mas e para a gleba que não se encaixa como medinete?

Eu, que passo longe desse perfil, ouso dizer que o filme vale o investimento inclusive de quem acompanha a trajetória do atleta desde o início, seja assistindo dos palanques seus primeiros campeonatos amadores, acompanhando seus resultados pelos sites especializados ou seguindo seus passos via redes sociais. Por quê? Porque o que nenhuma destes mídias ainda conseguiu acessar é o que Medina pensa sobre si mesmo. E o filme, ainda que de forma totalmente controlada e com as nuances de estratégia comercial características da estrutura ao seu redor, é uma primeira pista para iniciar um belo caminho – ou talvez o único possível até agora – para tentar desvendá-lo.

De talento e surf inegáveis até para os mais críticos à sua figura popular, com uma máquina que construiu um caso de sucesso comercial sem precedentes na história do surf brasileiro, finalmente ouvimos um pouco do que pensa o primeiro campeão, primeiro bicampeão, quiçá primeiro tricampeão mundial da história do surf brasileiro.

Gabriel Medina caminhando no por do sol durante etapa da WSL

Foto: Globo/Divulgação

Gabriel nunca gostou de falar

Com auto-análises sem falsa modéstia, frases como “Eu me conecto muito fácil” e “Independente de onde eu estiver, parece que eu estou no lugar certo” se mesclam a imagens debaixo d´água e cenas produzidas para remontar a infância marcada pelo abandono do pai biológico e companheirismo dedicado à mãe, Simone. Na construção narrativa, é ela quem surge dando pistas que explicam muita coisa. “Ele não falava. E eu pensava: meu Deus, eu preciso saber o que se passa na cabeça desse menino”.

Fica mais fácil entender, agora, que a pouca desenvoltura frente às câmeras fora d´água é parte inseparável do que talvez seja o principal traço de personalidade de Medina. O filme revela uma personalidade introspectiva. Uma pessoa essencialmente quieta, mais interessada em fazer do que falar. Não nasceu descolado. Se o que se passava na cabeça do menino já era uma incógnita para a mãe na infância, agora sabemos que os lábios pouco articulados em entrevistas não é má vontade, comportamento de estrela, nem reflexo de nada a dizer.

Muito além de um filme que mirou a massa, o documentário é capaz de atingir os críticos mais ferrenhos do surfista, permitindo o amadurecimento de opiniões baseadas na mera antipatia ao comportamento e gostos pouco usuais cultivados pelo surfista brasileiro (pelo menos aos olhos do estereótipo surf inspirado no estilo californiano).

Ainda que surfistas fossem minoria num evento com direito a celebridades, tapete vermelho e sucos servidos em taças, e que todo o esforço de venda mire um público muito mais amplo que o nicho, o filme é capaz de produzir um curioso efeito sobre “quem não chegou hoje” no surf. Finalmente começamos a entender que Medina como uma figura humana que oferece muito além do que sua imagem blindada a qualquer custo pode ter nos levado a crer até agora.

Henrique Daniel e Gabriel Medina durante gravações do programa Mundo Medina do Canal Off

Henrique Daniel e Gabriel Medina durante gravações do programa Mundo Medina. Foto: Globo/Divulgação

Quanto vale?

Vale o investimento de R$21,90 para ter acesso ao conteúdo da Globoplay por um mês mesmo que nem o Chumbo no BBB seja mais um atrativo possível para fãs do surf? Opinião pessoal: vale sim. Veja pelo lado bom: você pode bater no peito dizendo que é contra a pirataria e continuar criticando mesmo as menores corrupções do dia a dia como uma legítima “pessoa de bem”.

Para os cabeças-duras que ainda estão relutantes em assumir que pagariam pra ver, mesmo não sendo fãs do garoto, outro bom argumento é fazer a média com a turma, chamando a galera pra uma sessão de cinema em casa.

Mas se a vibe surfesteira também não é a sua e você é um verdadeiro surfão que defende a ferro e fogo que Medina fez o surf perder sua essência, ainda assim, vale. Vale para ouvir Medina assumindo que sua personalidade é mesmo diferente de qualquer estereótipo; para entender como as baterias polêmicas contra Julian Wilson em 2012 e John John Florence em 2016 influenciaram na construção de seus dois títulos; para ouvir uma polida e sincera opinião de Kelly Slater em relação ao brasileiro; ou mesmo para testar se você ainda tem coração, vendo as cenas da fofa entrevista que uma orgulhosa Sophia Medina fez com o irmão logo após a conquista do primeiro título, com direito a pincel de maquiagem fazendo as vezes de microfone.

Até se você é um intelectual e está nem aí para o surf, eu também acho que vale. O abandono paterno e a relação com Charles Medina surge como um rico pano de fundo que toca em uma realidade social brasileira infinitamente mais frequente do que somos capazes de admitir. E tudo isso com o conforto emocional que só os finais felizes são capazes de proporcionar. Portanto, trata-se de um filme também sobre o feliz encontro de objetivos e necessidades entre pai e filho que não poderia ter resultado em melhor situação.

A única coisa que você não vai encontrar é qualquer referência ao circuito de 2019, o qual poderia ter mudado o fim do filme. Ainda que nada tenha sido retirado da versão final de montagem, o roteirista admitiu. “O final do filme teria sido diferente, claro. Tinha algo em andamento. Mas, sei lá, vai que a gente faz mais uns dois documentários dos próximos títulos. Pô, tomara!”. Não há como discordar de Gabriel Medina quando ele diz que está sempre no lugar certo.

Gabriel Medina em frente ao backdrop Globoplay e Canal Off

Gabriel Medina na pré-estreia do seu filme. Foto: Globo/Bill Cardoso